“Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair do Egito, da casa
da escravidão. Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem
esculpida de nada que se assemelhe ao que existe lá em cima, nos céus, ou
embaixo na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra. Não te prostrarás
diante desses deuses e não os servirás” (Ex 20,2-5)
Está escrito: “Ao Senhor teu Deus adorarás e só a ele
prestarás culto”. Mt 4,10
O
ser humano foi criado para ser feliz com Deus. Mas a felicidade é uma razão
secundária do nosso existir, pois existimos primeiro para glorificar a Deus. E
essa nossa obrigação já aparece no primeiro mandamento. Eu sou o Senhor teu Deus, escreveu Deus nas tábuas de pedra de
Moisés. Não terás outros deuses diante de
minha face. É uma forma resumida do primeiro mandamento que tal como
aparece no livro do Êxodo (20,2-6) é bem longo.
Podemos
dizer que poucos de nós se acham em situação de cometer um pecado de idolatria
em sentido literal. Mas já se poderia falar figurativamente daqueles que rendem
culto ao falso deus de si mesmo: aos que colocam as riquezas, os negócios, o
êxito social, o prazer mundano ou o bem-estar físico acima de seus deveres para
com Deus. No entanto, esses pecados de autoidolatria enquadram-se, em geral, em
mandamentos diferentes do primeiro.
Mas
o nosso olhar é para o seu significado positivo. O primeiro mandamento ordena
que ofereçamos unicamente a Deus o culto supremo, culto que lhe é devido como
Criador e fim nosso, e essa obrigação positiva abrange muito mais coisas do que
a mera abstenção da idolatria. Assim, não basta passar diante de um ídolo pagão
e não tirar o chapéu; devemos prestar ativamente ao verdadeiro Deus o culto que
lhe é devido: CIC 2085-6.
Num
primeiro olhar está a virtude da fé, sem ela não há nada. Esta exige, para
continuar sendo fé, atos de fé. Acolhemos as verdades reveladas, mesmo sem as
compreendermos plenamente, pois Deus é infinitamente verdadeiro, não pode
mentir. Quando digo que “creio”,
estamos honrando a Sabedoria e a Veracidade infinitas de Deus do modo mais
prático possível, aceitando-as com base na sua palavra.
Conhecer
certas verdades converte-se numa responsabilidade para nós, segundo nossa
capacidade e oportunidades. Para um não católico, o reconhecimento da Igreja
católica como verdadeira implica num passo em aderir a essa verdade, que pode
encontrar muitos obstáculos. Às vezes, o obstáculo é o temor de desgostar os
pais segundo a carne, como se a lealdade para com eles tivesse precedência
sobre essa lealdade superior que devemos ao nosso Pai Deus.
Os
que já possuem a fé têm que se perguntar se não se acomodaram na sua busca de
conhecimento de Deus e da religião. Uma mente adulta necessita se uma
compreensão de adulto das verdades divinas. Ouvir com atenção homilias e
palestras, ler livros e revistas de doutrina cristã, participar de cursos ou
círculos de estudo sobre temas de fé e de vida cristã não são simples questões
de gosto, coisas em que nos ocupamos se nos dá na veneta. Não são práticas
“piedosas” para “almas devotas”. É um dever essencial procurarmos um adequado
grau de conhecimento da nossa fé, e desse dever resulta o primeiro mandamento.
Muitas tentações sobre a fé nascem do nosso pouco conhecimento.
Conhecer
é importante, acolher também, mas as verdades da fé exigem a profissão externa
da nossa fé. Não só para aqueles que vivem nos países onde o catolicismo é
perseguido, mas também à vida ordinária de cada um. Podemos ter reparos em
expressar a nossa fé por medo de que prejudique os nossos negócios, por medo de
chamar a atenção, por medo às ironias ou ao ridículo. Por fugirmos de professar
a nossa fé por covardia, também prejudicamos o próximo que tenha uma fé
vacilante ou não totalmente esclarecida. Realmente, enfrentaremos muitas
situações em que a necessidade concreta de dar testemunho da nossa fé surgirá
da obrigação de fortalecermos com nosso exemplo a fé dos outros.
PECADOS CONTRA A FÉ.
Há
certos pecados graves e concretos contra essa virtude que merecem uma menção
especial. Temos o pecado de apostasia.
Apóstata é aquele que abandona a fé. Um relaxamento na vida de fé pode levar a
uma apostasia. Ninguém pode ir vivendo de costas para Deus ou estar
indefinidamente em pecado mortal, rejeitando constante a graça de Deus, sem que
afinal se encontre sem fé.
Outra
causa de apostasia é a soberba
intelectual. É um perigo a que se expõe quem se aventura imprudentemente a
ultrapassar os seus limites intelectuais e espirituais. É o caso do jovem que
entra na universidade e se deixa levar pelas ideias de seu professor e vai, pouco
a pouco, deixando a sua vida espiritual e sua prática religiosa. Outro perigo são as leituras imprudentes. Uma pessoa afetada de pobreza intelectual
pode ser presa fácil das areias movediças de autores refinados e engenhosos,
cuja atitude para com a religião seja de suave ironia ou altivo desprezo.
Finalmente,
a apostasia pode ser resultado do pecado
habitual. Um homem não pode viver em contínuo conflito consigo mesmo. Se as
suas ações contradizem a sua fé, uma das duas partes tem que ceder. Se
negligencia a graça, é fácil que jogue pela janela a sua fé ao invés do seu
pecado. Muitos justificam a perda da fé por dificuldades intelectuais, quando
na realidade tratam de encobrir desse modo o conflito mais íntimo e menos nobre
que têm por causa de suas paixões.
Existe
também a heresia, que é a
rejeição parcial da fé. Herege é um batizado que se recusa a crer numa ou mais
verdades reveladas por Deus e ensinadas pela Igreja Católica (dogmas). Rejeitar uma dessas verdades é
rejeitar todas. A heresia se liga o indiferentismo.
O indiferentismo sustenta que todas as religiões são igualmente gratas a Deus,
que uma é tão boa como qualquer outra, e que é questão de preferência ou de
educação professar determinada religião ou até nenhuma. O erro básico do
indiferentismo está em imaginar que o erro e a verdade são igualmente gratos a
Deus; ou em pensar que a verdade é o que cada um crê. A heresia do
indiferentismo está especialmente enraizada nos países que se gabam de ter
“mentalidade aberta”. O indiferentismo pode ser pregado tanto por palavras como
por ações. É por esse motivo que se torna má a participação de um católico em
cerimônias não católicas, por exemplo a assistência aos serviços religiosos
protestantes, fora dos casos prescritos pela Igreja, dentro das normas sobre o
ecumenismo. Participar ativamente de tais cerimônias – por exemplo, receber a
comunhão num culto protestante – é um pecado contra a virtude da fé. Um
católico pode, natural mente, assistir (sem participar ativamente) a um serviço
religioso não católico, sempre que haja razão suficiente. Por exemplo, a
caridade justifica a nossa assistência às exéquias ou ao casamento de um
parente, de um amigo ou vizinho não católico. Em ocasiões assim, todos sabem a
razão da nossa presença.
ESPERANÇA E CARIDADE
Um
ato de esperança é um ato de culto a
Deus: expressa a nossa confiança total n’Aquele que é pai amoroso, onisciente e
todo poderoso. Quer se trate de um ato de esperança interior ou da sua
exteriorização por meio de palavras, com ele louvamos o poder, a fidelidade e a
misericórdia infinitos de Deus. Realizamos um ato de verdadeiro culto.
Cumprimos um dos deveres do primeiro mandamento.
Por
Ele afirmamos a nossa convicção na realização de suas promessas. De que a sua
misericórdia sem limites ultrapassa as fraquezas e extravios humanos, desde que
eu faça razoavelmente tudo o que esteja ao meu alcance. Daqui já é fácil deduzir
um dos pecados contra essa virtude: se não fazemos o que está ao nosso alcance,
se assumimos a cômoda posição de evitar esforços, pensando que, como Deus quer
que vamos para o céu, é assunto seu conduzir-nos até lá, independente de que a
nossa conduta seja esta ou aquela, então somos culpados do pecado de presunção, um dos dois
pecados contra a esperança. São muitas as situações em que nos expomos a
situações que nos levarão a pecar.
Outro
tipo de pecado contra a virtude da esperança é o desespero, que é o oposto da presunção. Enquanto neste
último caso se espera demasiado de Deus, naquele espera-se demasiado pouco.
Judas Iscariotes, balançando ao vento com uma corda no pescoço, é a imagem
perfeita do pecador desesperado, que tem remorso mas não contrição.
Honramos
a Deus com a nossa fé n’Ele, honramo-lo com nossa esperança n’Ele. Mas, acima
de tudo, honramo-lo com nosso amor. Fazemos um ato de amor a Deus sempre que
manifestamos – interiormente com a mente e o coração, ou externamente com
palavra e obras – o fato de amarmos a Deus sobre todas as coisas e por Ele
mesmo.
A
verdadeira caridade ou amor de Deus não tem por motivo o que Ele possa fazer
por nós. A caridade autêntica consiste em amar somente (ou, ao menos,
principalmente) porque Ele é bom e infinitamente amável em si mesmo. O genuíno
amor a Deus, como o amor de um filho por seus pais, não é mercenário ou
egoísta.
Se
o nosso amor a Deus é sincero e verdadeiro, é natural que amemos todos os que
ele ama. Isto quer dizer que devemos amar todas as almas que Ele criou e pelas
quais Cristo morreu, com a única exceção dos condenados. É fácil ver que o amor
sobrenatural ao próximo, tal como o amor a Deus, não reside nas emoções.
Podemos sentir naturalmente uma forte antipatia por uma pessoa determinada, e,
no entanto, ter por ela um sincero amor sobrenatural. Este amor sobrenatural ou
caridade manifesta-se em desejar-lhe o bem, especialmente a sua salvação
eterna, em recomendá-la ao Senhor em nossas orações, em perdoar-lhe as injurias
que possa infligir-nos, em repelir qualquer pensamento de rancor ou vingança
contra ela.
Vejamos
alguns pecados contra a caridade. Em primeiro lugar está o ódio. Odiar não é o mesmo que sentir desgosto por uma
pessoa, nem sentir-nos magoado quando abusam de nós de uma forma ou de outra. O
ódio é um espírito de rancor, de vingança. Odiar é desejar o mal a outrem, é
sentir prazer com a desgraça alheia. Podemos odiar a Deus num desejo (absurdo)
de fazer-lhe mal, a disposição de frustrar sua Vontade, o prazer diabólico em
pecar por ser um insulto a Deus.
O
ódio ao próximo é o mais frequente. Que varia entre o desejo de que uma
desgraça lhe aconteça ou de que simplesmente perca o ônibus, que faz a
diferença entre o mortal e o venial. Outro pecado contra a caridade é a inveja. Consiste num
ressentimento contra a boa sorte do próximo, como se esta fosse uma forma de
nos roubar. Mais grave ainda é o pecado do escândalo,
pelo qual, com as nossas palavras ou o nosso exemplo, induzimos uma pessoa a
pecar ou a colocamos em ocasião de pecado, mesmo que este não se siga
necessariamente. Por fim, temos o pecado de tibieza,
um pecado contra o amor de Deus e o amor sobrenatural que devemos a nós mesmos.
A tibieza é uma preguiça espiritual pela qual desprezamos os bens espirituais
(como a oração ou os sacramentos) pelo esforço que trazem consigo.
SACRILÉGIO E SUPERSTIÇÃO
Não
é fácil perder a fé. Se apreciamos e cultivamos o dom da fé que Deus nos
outorgou, não cairemos na apostasia ou na heresia, mas isso exige de nós sempre
a devida atenção com todo tipo de ameaça que nos circunda, que vai desde uma
outra pessoa e até meios que nos influenciem.
Se
a nossa fé é profunda, viva e cultivada, não há o perigo de cairmos em outro
pecado contra o 1º mandamento que emana da falta de fé: o pecado de sacrilégio. É sacrilégio
maltratar pessoas, lugares ou coisas sagradas. Na sua forma mais leve, procede
de uma falta de reverência para o que é de Deus; na sua gravidade máxima, vem
do ódio a Deus e a tudo que d’Ele.
Se
a nossa fé é sã, o pecado de sacrilégio não se dará na nossa vida. Para a
maioria de nós, o que mais nos deve preocupar é manifestar a devida reverência
pelos objetos religiosos que usamos habitualmente: guardar a água benta num
recipiente limpo e em lugar apropriado; manusear os evangelhos com reverência e
tê-los em lugar de honra na casa; queimar os escapulários e terços estragados,
em vez de jogá-los na lata do lixo; passar por alto as fraquezas e defeitos dos
sacerdotes e religiosos que nos desagradam, e falar deles com respeito por ver
neles alguém que pertence a Deus; comportar-nos com respeito na igreja,
especialmente nos casamentos e batizados, quando o aspecto social poderia
facilmente nos levar a descuidá-lo. Esta reverência é a roupagem externa da fé.
A superstição é um pecado contra o 1º
mandamento porque atribui a pessoas ou coisas criadas uns poderes que só
pertencem a Deus. A honra que devia dirigir-se a Ele desvia-se para uma de suas
criaturas. CIC 2111.
Só
Deus conhece de modo absoluto o futuro contingente, sem reservas nem acasos.
Por essa razão, acreditar em adivinhos
ou espíritos é um pecado contra o
primeiro mandamento, porque é uma desonra a Deus.
Pela
sua natureza, a superstição é um pecado mortal. No entanto, na prática, muitos
desses pecados são veniais por não haver plena deliberação, especialmente nos
casos de arraigadas superstições populares que tanto abundam na nossa sociedade
materialista: dias nefastos e números de sorte, tocar em madeira ou outras
coisas do gênero. CIC 2116.
Às
vezes, os nossos amigos não católicos suspeitam que pecamos contra o primeiro
mandamento pelo culto que rendemos aos santos. Esta acusação seria fundada se
lhe prestássemos o culto chamado de latria,
de adoração, que se deve a Deus e só a Deus. Mas não é assim; não somos tão
loucos. O próprio culto que tributamos a Maria, a Santíssima Mãe de Deus, um
culto que ultrapassa o dos anjos e santos canonizados, é de natureza muito
diferente do culto de adoração que prestamos – e só se pode prestar - a Deus.
[i]
Os mandamentos, segundo Deus os deu, não estão claramente numerados de um a
dez. A sua disposição em dez divisões, para ajudar a memorizá-lo, é coisa
humana. Frequentemente, o primeiro mandamento, tão extenso, dividia-se em dois:
“Eu sou o Senhor teu Deus..., não terás outros deuses diante da minha face”,
era o primeiro; e o segundo era: “Não farás para ti escultura nem figura
alguma... Não te prostrarás diante delas e não lhes prestarás culto”. Depois,
para manter exatamente o número dez, os dois últimos mandamentos – “Não
cobiçarás a casa do teu próximo”... nem nada do que lhe pertence” – se juntaram
num só. Os mandamentos são os mesmos no catecismo católico e protestante, há
apenas diferentes sistemas de numeração.
No Monte
Sinai, Deus – à exceção de ter destinado um dia específico para e Ele – não impôs
novas obrigações à humanidade. Desde Adão, a lei natural exigia do homem a
prática do culto a Deus, da justiça, da veracidade, da castidade e das demais
virtudes morais. Deus apenas gravou em tábuas de pedra o que a lei natural já
exigia do homem.