Gênesis – 2ª Parte


Esaú e Jacó: Um relacionamento difícil (Gn 25,19—36,43)

- A história de Isaac serve de ligação genealógica entre esses dois grupos que estão na base da formação do povo de Israel: o grupo de Abraão e o de Jacó.

A história de Esaú e Jacó é, desde o início, uma história de conflito (cf. 25,19-28). O passo adiante nesse conflito é apresentado quando Esaú perde os seus direitos de filho mais velho, isto é, herança maior, poder maior sobre o clã etc. (cf. 25,29-34). Jacó tem que pagar caro por sua trapaça. O ódio de Esaú já promete vingança mortal (27,41). Por isso Jacó tem que fugir para longe, onde também será ludibriado por seu tio Labão (28,1-8).

- A história de Jacó junto com seu tio Labão mostra como Jacó foi explorado no seu trabalho e como chegou a tornar-se independente. Os textos fornecem um verdadeiro modelo para examinar os problemas das relações que envolvem o mundo do trabalho. O contrato com o tio reflete o contrato de qualquer trabalhador: trabalho versus salário. O salário é aqui substituído pelo acordo em ser pago com a licença para casar-se com Raquel. Isto custaria a Jacó sete anos de trabalho. Porém, na hora de ter seu pagamento, Jacó e ludibriado: em vez do salário combinado recebe outro (Lia em vez de Raquel). E agora começa a exploração: o tio não recusa dar também Raquel como esposa para Jacó, mas exige que Jacó trabalhe para ele mais sete anos. Tudo isso nos oferece um pequeno cenário de exploração e de dependência econômica.

- A narrativa caminha para uma tomada de consciência de Jacó e do seu desejo de liberdade e autonomia (30,26) exigindo participação na propriedade produtiva, em termos atuais, dos meios de produção, como saneamento de uma dívida (30,31-34). Jacó faz o acordo funcionar isso desperta a inveja de Labão e o acordo finda (31,1-3). O ponto importante, porém, é que a conscientização do trabalhador se alastra e faz com que os que antes estavam alienados também percebam os próprios direitos (31,14-16). O dote e a herança não recebidos por Raquel e Lia são substituídos pelo roubo dos ídolos domésticos que, naquele tempo, visavam assegurar a bênção e a prosperidade para a família (31,17-21). Por fim, no diálogo final entre o tio e Jacó fica claro que a única relação possível entre eles é de igualdade, pois a dependência terminou.

- Em resumo, as relações entre Jacó e Labão mostram a trajetória das relações entre patrão empregado. Elas começam com a dependência frente ao patrão e, pouco a pouco, evoluem para a autonomia do empregado. Em outras palavras, essa história mostra como transformar a relação de desigualdade em relação de igualdade.

- Uma lição de fraternidade: após ter sido trapaceado pelo tio Labão, Jacó tem consciência de como dói ser enganado (32,1-22). Como encontrar o irmão depois de tudo que fizera? Jacó teme uma vingança e pensa comprar o irmão com presentes (32,21-22). Todavia, é no encontro com Esaú que Jacó recebe uma grande lição de fraternidade. Preocupado com o encontro, Jacó toma diversas providências e aproxima-se do irmão com gesto de arrependimento (33,1-3). O irmão, porém, o recebe espontânea e afetuosamente, sem qualquer sinal de ódio. Até recusa o presente que Jacó lhe mandou. No centro do texto está a confissão de Jacó, que reconhece a sua falta e admite que não esperava boa acolhida (33,10). A cena faz pensar em Lc 15,20-24: o triunfo do perdão sobre a vingança.

- Por trás de Esaú e Jacó estão os povos edomita e israelita. Assim, o texto não esgota o seu significado numa relação familiar, mas aponta para uma relação maior, onde estão implicados grupos e povos que, muitas vezes, de fato possuiriam ótimas razões para serem inimigos. É na união de povos irmanados que se torna possível a construção de uma história fraterna, onde os povos repartam o mundo em vez de disputá-lo.

- Betel e Fanuel: A essência da religião. A fuga e a volta de Jacó são marcadas por duas experiências fundamentais para entendermos o que é a relação com Deus ou, em outras palavras, o que é a religião.

- Quando foge de casa (28,1-9), Jacó tem a primeira experiência de Deus (28,10-22). Nela, a religião é apresentada como a relação misteriosa entre Deus e o homem (escada entre a terra e o céu). Embora transcendente e infinitamente santo, Deus está sempre em relação viva com as criaturas (anjos que sobem e descem). O homem é incapaz de tomar a iniciativa para fazer essa relação; o máximo a que pode chegar é entregar-se (sono) para que Deus se manifeste gratuitamente (sonho) e revele o projeto que ele vai realizar na vida do homem: descendência e terra (28,13-15). 

- Este episódio é muito rico e mostra que toda e qualquer vida humana que esteja aberta e disponível torna-se um santuário (Betel = casa de Deus). É aí que Deus se manifesta, criando uma história. Dessa manifestação nascem a fé e a confiança em Deus, ao lado do reconhecimento de que tudo vem dele (dízimo). O berço da religião é a experiência do Deus vivo.

- A segunda experiência de Deus ocorre na véspera do reencontro de Jacó com Esaú (32,23-33). Preocupado com o encontro próximo com o irmão, Jacó fica sozinho à noite. Trava-se, então, uma luta misteriosa com um desconhecido, que é o próprio Deus. Jacó luta a noite inteira, porque ele deseja a bênção que proteja sua pessoa e preserve seus bens. Antes de abençoá-lo, o Desconhecido lhe dá o nome de Israel, que será o nome do povo da promessa. A Benção, portanto, não tem em vista qualquer pretensão pessoal, mas a formação de um povo. Por outro lado, o Desconhecido não revela o próprio nome, ou seja, Jacó não poderá manipular a Deus, como fez com o pai e com o irmão. De Jacó nascerá um povo que vai ter como missão realizar o projeto de Deus, sem jamais trapacear esse projeto, sob pena de sofrer sérias consequências. Jacó consegue o que quer, mas deve humilhar e ferir o próprio orgulho para reencontrar o irmão que havia lesado.

- A formação de dois povos. Os doze descendentes de Jacó (35,22-26) indicam as tribos que, unidas, formaram uma confederação que quebrou o domínio das cidades-estado em Canaã e aí se estabeleceram permanentemente, formando o povo de Israel. Os descendentes de Esaú (Gn 36) indicam os grupos que se fixaram ao sul de Canaã e não tomaram parte na confederação israelita. Em vez disso, formaram um estado à parte, chamado reino de Edom. Embora considerados irmãos, esses dois povos estiveram em conflito. O profeta Ezequiel chega a dizer que Edom “cultivou ódio eterno e entregou os israelitas ao fio da espada, no tempo em que estavam na desgraça, no dia do castigo final” (Ez 35,5).

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