“Patris Corde”


No próximo dia 8 de dezembro estaremos encerrando ao Ano de São José e gostaria de trazer aqui um resumo da Carta Apostólica publicada para a vivência e reflexão desse ano. Na medida do possível apresentarei ainda alguns artigos para darmos continuidade a nossa reflexão sobre São José.

O Papa Francisco, na celebração dos 150 anos da declaração de São José com padroeiro Universal da Igreja, que se deu no dia 8 de dezembro de 1870, pelo Beato Pio IX, instituiu o ano de São José e nos dirigiu uma carta apostólica sob o título de ‘Patris Corde’, ‘Com Coração de Pai’, para dizer-nos que foi com um coração de pai que José amou a Jesus.

Depois da Virgem Maria, é o santo que ocupa mais espaço no magistério da Igreja: quatro documentos no total. O penúltimo foi de 1989, João Paulo II escreveu uma Exortação Apostólica ‘Redemptoris custos’, ‘Guardião do Redentor’, sobre a figura e a missão de São José na vida de Cristo e da Igreja. Vejamos o que nos diz o Papa Francisco:

 

Introdução: O papa repassa brevemente alguns passos de José que nos foram revelados pelos evangelhos de Lc e Mt, que são os únicos que nos fornecem alguma informação sobre José, poucas, mas suficientes para compreendermos o tipo de pai que ele era e a missão que a Providência lhe confiou.

* Ele teve a coragem de assumir a paternidade legal de Jesus, a quem deu o nome revelado pelo anjo. Dar o nome a alguém ou alguma coisa, significa atribuir-lhe pertença, entre os antigos. O papa repassa os passos de José junto a Jesus até a perda e o reencontro do menino no Templo.

* O tema da carta germinou no coração do Papa durante a pandemia, ao refletir sobre as pessoas comuns que fazem parte de nossa história e que de certo modo tecem e sustentam nossas vidas: médicos, enfermeiros, trabalhadores de supermercado, pessoal da limpeza, cuidadores, transportadores, etc...  Quantas pessoas exercitam diariamente a paciência e infundem esperança...

* Pais, mães, avós e professores mostram às nossas crianças, com pequenos gestos do dia a dia, como enfrentar e atravessar crises. Pois bem, em São José, esse homem que passa despercebido, podemos perceber sua importância para Maria e Jesus e nele podemos encontrar um intercessor, um amparo e um guia nos momentos difíceis.

* Para essas pessoas comuns o Papa dirige uma palavra de reconhecimento e gratidão.

* Vou tentar resumir os sete pontos tratados pelo papa em sua carta.

 

1.“Um amado pai”. A grandeza de José consiste no fato de ele ter sido o esposo de Maria e o pai de Jesus, fazendo de sua vida um serviço, um sacrifício ao mistério da encarnação e da redenção. E isso o fez sempre amado pelo povo cristão, por muitos santos em suas devoções. Todos os devocionários trazem uma oração a São José. A ele se dirigem particularmente às quartas-feiras e durante o mês de março.

* O papa lembra a expressão do AT: ‘Ide a José’, o filho de Jacó que se tornou administrador no Egito em um momento de crise. Assim o povo cristão também pode busca-lo, na sua intercessão em momentos difíceis.

2. “Pai de ternura”. Em José, Jesus viu e experimentou a ternura de Deus enquanto crescia (não só Maria fez Jesus caminhar ou mesmo falar), pois Deus serve-se da fragilidade humana, para o exercício da confiança n’Ele. Certamente essa missão de proteger a mãe e o menino não foi vivida sem certa angústia por José.

* Mesmo com nossos medos, fragilidades e fraquezas, Deus vai agindo através de nós, pois não conta só com a nossa parte boa e vitoriosa; muitos de seus desígnios se cumprem através de nossa fraqueza e apesar dela.

* Com José, em meio as suas angústias, aprendemos a ter fé em Deus, pois em meio as tempestades da vida, não devemos ter medo de entregar a Deus a condução de nossa barca. Lembremos que não temos o controle de tudo.

3. “Pai na Obediência”. O Papa lembra a difícil situação de José ao ter que lidar com a gravidez de Maria. Deus lhe fala através de sonhos, como no AT vemos tão presente essa realidade simbólica. José assume uma atitude de obediência para superar seu drama e salvar Maria e o Menino. Na obediência de José e a José, Jesus aprendeu também a fazer a vontade do seu Pai Celeste. Uma obediência que o levará até a morte de Cruz.

4. “Pai no Acolhimento”. Superando a Lei de seu tempo, José acolhe Maria de forma respeitosa e delicada, como deveria ser o trato dos homens para com as mulheres em todos os tempos.

* A vida espiritual que José mostra não é um caminho a ser explicado, mas um caminho a ser acolhido. E assim nos ensina também a aceitar os fatos como eles são, no momento que se apresentam, em seu mistério e complexidade. Só assim se torna possível enxergar o seu significado mais profundo.

* José não é um homem resignado passivamente como alguns possam pensar. O seu protagonismo é corajoso e forte. Só Deus poderia lhe dar, e também a nós, a força para acolher a vida como ela é, aceitando até mesmo as suas contradições, imprevistos e desilusões.

* O anjo diz a José: ‘Não temas’ (cf. Mt 1,21). Também podemos acolher essa Palavra. Por vezes as coisas não saem exatamente como esperávamos, tomam rumos inesperados. Mesmo assim sabemos que Deus pode fazer brotar flores no meio das rochas. O realismo cristão não coloca de fora nada do que existe. Nem sempre as soluções são fáceis. Nem o foi para José, que não buscou atalhos, mas enfrenta de olhos abertos o que acontece.  

5. “Pai com coragem criativa”. Se temos que acolher a realidade e reconciliar-nos com ela, é preciso também uma coragem criativa, pois certas realidades podem nos imobilizar ou levar-nos à fuga. Podemos nos surpreender com a capacidade que nem julgávamos ter. Assim foi José nos momentos difíceis da ‘infância de Jesus’. Deus parecia não tornar as coisas fáceis, mas na realidade intervém confiando na coragem criativa de José.

* O evangelho nos fala dessa coragem criativa como a dos homens que descem o paralítico pelo telhado para fazê-lo chegar a Jesus. Não sabemos dos perrengues de Jesus, Maria e José no Egito. Certamente tiveram que enfrentar problemas concretos, como toda família enfrenta, particularmente dos migrantes desse mundo de meu Deus....

* Nossa vida também às vezes parece estar à mercê de forças contrárias e, no entanto, Deus encontra um modo de agir. É nesse aspecto que José protege esse primeiro núcleo familiar, e assim pedimos que proteja a Igreja, que deles também começou, pois, amando a Igreja, continuamos a amar o Menino e sua Mãe.

6. “Pai Trabalhador”. Não podemos esquecer a relação de José com o mundo do trabalho. Ele que trabalhou honestamente para garantir o sustento da sua família.

* Por outro lado, toda pessoa que trabalha, seja qual for a sua tarefa, colabora com o próprio Deus, torna-se em certa medida criadora do mundo que a rodeia.

* Sabemos o significado que tem o trabalho para o ser humano e sua sobrevivência também familiar, tanto quanto o perigo constante do desemprego para as sociedades. Pedimos a intercessão do operário de Nazaré.

7. “Pai na sombra”. Em José, Jesus experimentou a sombra do Pai Celeste que o guardava, protegia, seguia seus passos e o carregava nos braços. Não se nasce pai, torna-se pai... não porque colocou um filho no mundo, mas porque cuida responsavelmente dele. A paternidade ultrapassa os laços sanguíneos. Esse dom de si mesmo fez a felicidade de José. O papa traz alguns traços do exercício da paternidade humana.

Conclusão: Assim o papa nos leva a um amor maior por este grande santo, para nos sentirmos impelidos a implorar a sua intercessão e para imitarmos as suas virtudes e seu desvelo.

* O Santo não está para somente conceder-nos graças ou milagres, mas para interceder, nos ajudar nessa busca de um caminho de santidade, sendo modelo, referência.

* Que São José nos alcance a graça das graças: a nossa conversão. São José, rogai por nós! 

São José – VI

José, o homem que refletia.

 

A decisão de José de abandonar secretamente a Virgem Maria não foi uma decisão tomada de improviso, como a reação provocada por um acontecimento e que a resposta imediata a uma incitação, essa espécie de reação instintiva que se produz como um reflexo antes de mal ter havido tempo para reparar no problema. Ou mesmo resultado do orgulho ferido ou do amor próprio magoado, nem qualquer outra das muitas manifestações que casos semelhantes costumam despertar nos homens. Assuntos importantes requerem demorada atenção. Sendo um homem suficiente maduro, José concedeu a atenção necessária. E este assunto não dizia respeito somente a José.

Aqui não estava em jogo somente a honra, mas também o amor, e este último era o mais doloroso. José amava Maria e aqui radicava a gravidade do conflito; porque quando a cabeça e o coração não andam de acordo e um toma o caminho oposto ao que o outro segue, então dor, torna-se inevitável. O coração de um homem apaixonado tende com força quase irresistível para a mulher amada; mas se a cabeça lhe diz que é preciso contrariar aquele impulso, o resultado é o sofrimento.

Este contraste entre o que via e o que sabia de sua esposa, não a considerando culpada, aumentava-lhe a perplexidade e a indecisão, à qual se vinha ajuntar o silêncio de Maria. Se este tempo de angustiosa perplexidade e desencontrados sentimentos durou muito pouco é impossível saber-se; mas tendo à vista o estado de Maria, o seu incompreensível silêncio e a sua serena atitude, é mais do que explicável que José se tenha debatido algum tempo na dúvida sem saber o que fazer. Foi pensando nestas coisas que chega a uma solução, examinando a situação sob diferentes pontos de vista, e por fim, encontra um pouco de sossego. Mas eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: “José, filho de Davi, não temas receber em tua casa Maria, tua esposa, porque o que nela foi concebido é obra do Espírito Santo” (cf. Mt 1,20-23).

A própria fala do anjo nos revela o temor de recebe-la, conforme os costumes judaicos nessa segunda parte do matrimônio. Certamente que não foi o medo à desonra porque, no pior dos casos, teria ficado coberto ou oculto pelo matrimônio; seria talvez o medo de agir diante de Deus, profanado um mistério, ignorado, mas pressentido? Nunca o saberemos nem nos importa, no fim das contas. Imporá que seu temor se foi assim que o anjo o tornou participante do grande mistério. No silêncio e no segredo, assim como foi para Maria, José foi purificado nos angustiosos dias da provação. A ele é comunicado o mistério, pois não podia desempenhar a missão que Deus tinha decidido sem seu conhecimento, na parte que lhe dizia respeito. E assim que o soube, respondeu com a mesma prontidão e entrega incondicionais com que, meses antes, tinha respondido Maria, sua esposa, ao plano divino que o anjo lhe dera a conhecer (cf. Mt 1,24).

Deus poderia ter lhe revelado tal mistério ao mesmo tempo que o fez a Maria, mas Deus não segue o modo de ver que nós temos. Deixou que tanto Maria quanto José sofressem esse espaço de tempo. Em maior ou menor grau, passamos algumas vezes por transes que porventura guardarão certas semelhanças com o que teve de sofrer José. Quer lhe chamemos conflito, problemas, contrariedades, há na vida de todo ser humano, momentos difíceis que não dizem respeito somente a ele; momentos em que se vê compelido a tomar uma decisão que pode, inclusivamente, afetar de modo irreversível o rumo da sua vida e a de outras pessoas, e nos quais uma espécie de sofrimento, de difícil compreensão para os que estão de fora ou carecem desta experiência, requer uma atitude da qual depende, em muitos casos, a justiça da solução adotada. Nesse momento precisamos de parar e refletir, para não sermos arrastados emocionalmente.

O que José nos ensina aqui é que a primeira atitude diante de um problema, conflito ou contrariedade – ninguém está isento deles – a primeira atitude própria da pessoa é a reflexão. À base de impulsos, pressentimentos ou reações instintivas e precipitadas, jamais chegamos a soluções justas porque o único que se consegue é enredar ainda mais a meada acrescentando-lhe novas dificuldades ou agudizando o conflito. E também não é solução esperar que o problema se resolva por si ou que venham resolvê-lo, porque há momentos e situações em que ninguém pode tomar decisões por nós. O recurso aos outros deve aparecer só depois de termos visto se somos capazes por nós próprios de sair do atoleiro ou dar uma solução adequada. Uma opinião ou conselho serão sempre bem-vindos da parte de quem por seu saber ou experiência, são capazes de nos ajudar a encontra uma solução. José precisou de um anjo para sair do seu conflito.

Quem quer acertar, quem quer fazer o que é devido, reflete. Foi a reflexão que dispôs José para receber a mensagem divina. Chegou-lhe de um modo simples, discreto, silenciosamente, sem aparto externo e sensível. Chegou-lhe de fora e ele foi capaz de retificar a sua decisão, pois nunca recusou refletir sobre os acontecimentos.