José, o homem que refletia.
A
decisão de José de abandonar secretamente a Virgem Maria não foi uma decisão
tomada de improviso, como a reação provocada por um acontecimento e que a
resposta imediata a uma incitação, essa espécie de reação instintiva que se
produz como um reflexo antes de mal ter havido tempo para reparar no problema.
Ou mesmo resultado do orgulho ferido ou do amor próprio magoado, nem qualquer
outra das muitas manifestações que casos semelhantes costumam despertar nos
homens. Assuntos importantes requerem demorada atenção. Sendo um homem
suficiente maduro, José concedeu a atenção necessária. E este assunto não dizia
respeito somente a José.
Aqui
não estava em jogo somente a honra, mas também o amor, e este último era o mais
doloroso. José amava Maria e aqui radicava a gravidade do conflito; porque
quando a cabeça e o coração não andam de acordo e um toma o caminho oposto ao
que o outro segue, então dor, torna-se inevitável. O coração de um homem
apaixonado tende com força quase irresistível para a mulher amada; mas se a
cabeça lhe diz que é preciso contrariar aquele impulso, o resultado é o
sofrimento.
Este
contraste entre o que via e o que sabia de sua esposa, não a considerando
culpada, aumentava-lhe a perplexidade e a indecisão, à qual se vinha ajuntar o
silêncio de Maria. Se este tempo de angustiosa perplexidade e desencontrados
sentimentos durou muito pouco é impossível saber-se; mas tendo à vista o estado
de Maria, o seu incompreensível silêncio e a sua serena atitude, é mais do que
explicável que José se tenha debatido algum tempo na dúvida sem saber o que
fazer. Foi pensando nestas coisas que chega a uma solução, examinando a
situação sob diferentes pontos de vista, e por fim, encontra um pouco de
sossego. Mas eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse:
“José, filho de Davi, não temas receber em tua casa Maria, tua esposa, porque o
que nela foi concebido é obra do Espírito Santo” (cf. Mt 1,20-23).
A
própria fala do anjo nos revela o temor de recebe-la, conforme os costumes
judaicos nessa segunda parte do matrimônio. Certamente que não foi o medo à
desonra porque, no pior dos casos, teria ficado coberto ou oculto pelo
matrimônio; seria talvez o medo de agir diante de Deus, profanado um mistério,
ignorado, mas pressentido? Nunca o saberemos nem nos importa, no fim das
contas. Imporá que seu temor se foi assim que o anjo o tornou participante do
grande mistério. No silêncio e no segredo, assim como foi para Maria, José foi
purificado nos angustiosos dias da provação. A ele é comunicado o mistério,
pois não podia desempenhar a missão que Deus tinha decidido sem seu
conhecimento, na parte que lhe dizia respeito. E assim que o soube, respondeu
com a mesma prontidão e entrega incondicionais com que, meses antes, tinha
respondido Maria, sua esposa, ao plano divino que o anjo lhe dera a conhecer
(cf. Mt 1,24).
Deus
poderia ter lhe revelado tal mistério ao mesmo tempo que o fez a Maria, mas
Deus não segue o modo de ver que nós temos. Deixou que tanto Maria quanto José
sofressem esse espaço de tempo. Em maior ou menor grau, passamos algumas vezes
por transes que porventura guardarão certas semelhanças com o que teve de
sofrer José. Quer lhe chamemos conflito, problemas, contrariedades, há na vida
de todo ser humano, momentos difíceis que não dizem respeito somente a ele;
momentos em que se vê compelido a tomar uma decisão que pode, inclusivamente,
afetar de modo irreversível o rumo da sua vida e a de outras pessoas, e nos
quais uma espécie de sofrimento, de difícil compreensão para os que estão de
fora ou carecem desta experiência, requer uma atitude da qual depende, em
muitos casos, a justiça da solução adotada. Nesse momento precisamos de parar e
refletir, para não sermos arrastados emocionalmente.
O
que José nos ensina aqui é que a primeira atitude diante de um problema,
conflito ou contrariedade – ninguém está isento deles – a primeira atitude
própria da pessoa é a reflexão. À base de impulsos, pressentimentos ou reações
instintivas e precipitadas, jamais chegamos a soluções justas porque o único
que se consegue é enredar ainda mais a meada acrescentando-lhe novas
dificuldades ou agudizando o conflito. E também não é solução esperar que o
problema se resolva por si ou que venham resolvê-lo, porque há momentos e
situações em que ninguém pode tomar decisões por nós. O recurso aos outros deve
aparecer só depois de termos visto se somos capazes por nós próprios de sair do
atoleiro ou dar uma solução adequada. Uma opinião ou conselho serão sempre
bem-vindos da parte de quem por seu saber ou experiência, são capazes de nos
ajudar a encontra uma solução. José precisou de um anjo para sair do seu
conflito.
Quem
quer acertar, quem quer fazer o que é devido, reflete. Foi a reflexão que
dispôs José para receber a mensagem divina. Chegou-lhe de um modo simples, discreto,
silenciosamente, sem aparto externo e sensível. Chegou-lhe de fora e ele foi
capaz de retificar a sua decisão, pois nunca recusou refletir sobre os
acontecimentos.
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