São José – V


São José, o Justo.

 

A figura de são José em Mateus nos aparece em meio a um conflito. Como sabemos, José estava desposado com Maria e ‘antes de coabitarem, achou-se que grávida por obra do Espírito Santo’ (1,18). Pela lei judaica, eles já eram marido e mulher, ainda não tendo celebrado as bodas, isto é, a condução solene da esposa até a casa do esposo para iniciar a vida em comum. Lucas não menciona José ao ocupar-se da visita de Maria a Isabel. Tal silêncio não indica necessariamente exclusão. Não seria nenhuma fantasia pensar que ele a acompanhou na ida e foi busca-la após o nascimento do Batista. O que não se pode afirmar é sua presença quando Maria saúda Isabel e vem à tona o mistério, ainda que não se revele com clareza a concepção virginal de Maria. O que provavelmente não aconteceu foi a permanência de José também como hóspede de Zacarias.

É no retorno a Nazaré que José se dá conta da gravidez de sua esposa. Certamente um duro golpe, uma amarga surpresa que não se encaixava de modo nenhum no conceito que tinha de Maria e para o qual não poderia se achar uma razão que não fosse natural. Nesse período de convulsão interna, foi preciso aceitar a realidade, porque o que é real acaba sempre por se impor. A gravidez colocava fim ao propósito de Maria em conservar a virgindade. Que devia fazer? Refletindo, chega à conclusão que deveria secretamente abandoná-la, não a expondo ao julgamento público através de uma carta de repúdio (cf. Mt 1,19).

Os Padres e os comentaristas coincidem em reconhecer a justiça de José. Mas onde ou em que se manifestou a sua justiça? Aqui a explicação sobre o seu agir na justiça nessa situação, geraram diversos comentários. São João Crisóstomo, Santo Agostinho, Santo Ambrósio.... Não vou enveredar pelos mesmos, já que suas explicações são pouco aceitas atualmente. Naturalmente José não ignorava o que tinha acontecido. Sendo justo, nos diz a revelação, adotou, com respeito a Maria, a solução que, de todas as possíveis, menos dano lhe causaria, apesar de não ser a mais cômoda para ele. Decidiu, pois abandoná-la secretamente e com esta decisão mostrou-se como um homem justo, isto é, um santo. Pois embora não saibamos que espécie de instinto o levou a pôr à parte o repúdio, recuperando a sua liberdade e a concedendo à sua esposa, o fato é que parece como se tivesse intuído – apesar da lei judaica – a indissolubilidade do matrimônio. Não foi outra coisa, a solução adotada, do que o reconhecimento de que o compromisso livremente assumido diante de testemunhas o unia por toda a vida à mulher que tomara por esposa.

O seu ser ‘justo’ levou-o a não se alhear das consequências de uma decisão que não dizia respeito somente a si. Sua atitude envolve seu respeito e convencimento da inocência de sua esposa, assim ele atua com justiça ao buscar uma solução sem dano – ou com menor dano possível – para Maria.

É a qualidade do ser de cada um, aquilo que importa mais do que qualquer coisa; mais ainda, sem dúvida, do que uma ação isolada que, em si, pode não significar grande coisa. Tem qualidade de justo o que atua com justiça; mas o que será esse atuar com justiça? Esta é uma palavra que, como algumas outras – liberdade, democracia, direitos... –, ressoa muito, e com muita frequência, no mundo ocidental, mas à qual, porém, - e como tantas outras – está ligado um conteúdo que geralmente desfigura ou falsifica aquilo que a própria palavra designa. É por isso que devemos ser cuidadosos com o uso dos vocábulos, para não causar dano, dando a entender uma coisa por outra e criando na mente uma confusão que impeça depois de atuar com retidão.

O ato próprio da justiça é dar a cada um o seu. E como dirá a Jesus: ‘e a Deus o que é de Deus’. “E o que pertence a Deus, o que é seu, o que, portanto, lhe devemos dar para atuarmos com justiça?  Simplesmente tudo. Com efeito, d’Ele recebemos os sentidos e a inteligência, os bens corporais e os espirituais e mil coisas da criação, mas há ainda algo mais importante: recebemos de Deus o ser e a existência, não apenas no âmbito natural, mas também no sobrenatural. Por isso, homem justo é, fundamentalmente, um homem entregue, é um homem que reconhece ter recebido tudo e que por consequência, se considera obrigado a devolver a Deus a honra, a glória, o louvor, a adoração e a gratidão por tudo que recebeu. E não encontra melhor modo de cumprir este dever de justiça a que todo ser humano está obrigado, do que entregando-se para que Deus faça nele e com ele, tudo o que for do seu agrado. Numa palavra: ser justo é ser santo. Por isso pôde José escolher a solução mais benéfica para a Virgem Maria, aquela que menos dano lhe causaria” (Federico Suarez – “José, Esposo de Maria”).

A grandeza ou mesquinhez de um ser humano se manifesta no modo generoso ou mesquinho com que vê as coisas ou, melhor ainda, no modo generoso ou mesquinho de comportar-se. São as situações difíceis que mostram o que levamos dentro, o que realmente somos, esse tipo de situações que nos forçam a trazer para a superfície o melhor ou o pior que se aninha no fundo de nossa alma. E José, posto no meio do conflito, mostrou o melhor de si mesmo, pois ao ato feito da melhor qualidade, mostrou aquilo que o abundava.         

 


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