Criação e queda do Ser Humano

1. O Ser Humano – ponte entre o mundo do espírito e da matéria. Alma (espírito) de natureza similar ao anjo; corpo (matéria), similar a natureza dos animais. Isso o faz um ser à parte – com um pé no tempo e outro na eternidade.

- “Animal racional” – Animal (matéria) – Racional (espírito).

 

2. Muitos são os estudos que se voltam para a compreensão do ser humano. Seu maquinário complexo; capacidade de adaptação...

- O corpo é apenas ‘metade’ do ser humano. CIC 364. Mesmo tendo corpo, ele é mais que animal. E mesmo tendo um espírito imortal, é menos que os anjos.

- Alma e corpo se fundem para gerar o que chamamos de ser humano. Ao dizermos que se fundem, dizemos que estão intimamente interpenetrados que um não pode viver sem o outro (ao menos nessa vida).

Ex: Soldar um pedaço de zinco e cobre. Teremos um pedaço de metal que é parte zinco e parte cobre (união acidental), mas se os dois se fundem surge uma nova substância a que chamamos de bronze. CIC 365.

- Percebemos essa íntima união nos incidentes que ocorrem – alma e corpo se inter-relacionam: quando o corpo sofre, a alma também sofre, e vice versa.     

 

3. Dessa união, matéria e espírito, a parte mais completa e importante é a alma. Porque é imortal. CIC 363.

- Um espírito não pode ser medido. Não depende de um corpo inteiro para existir. Só deixa o corpo quando este cessa as suas funções. Não morre. Nela nada pode danificado ou destruído; não consta de partes, não se decompõe nem pode deixar de ser o que é.

 

4. Estas características são o fundamento da afirmação de que fomos feitos à sua imagem e semelhança.

- Nosso corpo reflete o poder e sabedoria divina, a alma é um retrato especial do autor, menos, imperfeito, mas é o que no aproxima d’Ele.

- A capacidade intelectual reflete o Deus que tudo sabe e conhece. A liberdade (livre vontade), eco da liberdade infinita que Deus possui. A imortalidade é uma centelha da imortalidade absoluta de Deus.  Todos esses elementos fazem o homem capaz de Deus. CIC 357.

 

Como nos fez Deus

 

1. Estudamos o livro do Gênesis (próxima sequência, ao entrarmos no mundo bíblico) e compreendemos que o autor, sem especificações científicas, diz que o gênero humano descende de um único casal original que foram direta e imediatamente criados por Deus. É a chamada teoria criacionista que não rivaliza com a teoria evolutiva. Pode ser que Deus tenha criado o mundo e moldado o corpo do homem e da mulher por meio de um processo evolutivo (uma espécie de macaco poderia ter dado origem a essa espécie evoluída; seria a mesma leitura de que Deus criou o homem do barro).

- O que é necessário compreender? A alma é espírito, não pode evoluir da matéria; nem é herdada de nossos pais. Seja qual for a forma que Deus tenha escolhido para fazer o nosso corpo, o que mais importa é a alma. É a alma que levanta do chão os olhos do animal.  

- É alma que levanta os nossos olhos até as estrelas, para que vejamos a beleza, conheçamos a verdade e amemos o bem.  

 

2. Esse primeiro homem e primeira mulher, saem das mãos de Deus apenas esplêndidos, não submetidos às leis ordinárias da natureza, nem conheceriam a morte. Foram agraciados com os dons ‘preternaturais’ e ‘sobrenaturais’. Os primeiros não pertencem por direito à natureza humana e, no entanto, não estão inteiramente fora da capacidade da natureza humana e recebê-los. 

- Estes possuíam um conhecimento natural de Deus e do mundo, claro e sem obstáculos (sem estudo, sem busca). Elevada força de vontade e controle perfeito das paixões e dos sentidos (não conheciam a dor e a morte). Estes também já possuíam o que chamamos de dom sobrenatural: participação na própria vida divina, poderiam ver a Deus face a face. CIC 376-7.

 

O que é pecado Original?

 

1. Ao criar o ser humano Deus o dotou com os dons preternaturais que os livraram do sofrimento e da morte, e o dom sobrenatural da graça santificante. Tais dons deveriam passar aos seus descendentes, assegurados por Deus a Adão e Eva, se estes por ato de livre escolha, desse irrevogavelmente seu amor a Deus. Em outras palavras: fazer a sua vontade, obedecer-lhe, preferindo-O a si próprio (provar o seu amor).

- A única ordem dada por Deus: não comer do fruto de certa árvore (teste do amor – da capacidade de obedecer). Adão e Eva falharam na prova. Cometeram o 1º pecado, que chamamos de ‘pecado original’. Não é um simples pecado de desobediência. Foi um pecado de soberba: se comessem tal fruto seriam tão grandes como Deus, seriam deuses.   

- Colocando dentro da realidade humana, como o compreendemos, dizemos que é inevitável o pecado. O peso do pecado de Adão e Eva não se situa no campo da ignorância ou fraqueza. Adão e Eva pecaram com total clareza de mente e absoluto domínio das paixões pela razão. Não havia desculpa.

- Perdem todos os dons especiais que Deus lhes havia concedido. Ficaram reduzidos ao mínimo essencial, que lhes pertencia pela natureza humana. CIC 399-400.

 

2. Potencialmente estávamos todos presentes no nosso pai comum, todos sofremos ou somos atingidos com esse pecado. A nossa natureza humana perdeu a graça na sua própria origem, e por isso dizemos que nascemos em estado de pecado original.

- O pecado original é a carência, a falta de alguma coisa, da vida sobrenatural a que chamamos graça santificante. Nascer em estado de pecado original é nascer com uma ausência, falta-nos essa vida sobrenatural. O batismo nos devolve essa vida sobrenatural, mas não restaura os dons preternaturais.

 

3. Tendo a vida sobrenatural, temos o que realmente importa: justiça infinita se equilibra com misericórdia infinita. Em Jesus Cristo somos restaurados para vida em Deus. Antes de Cristo só a Virgem Maria possui uma natureza em perfeita ordem.

- Isso não quer dizer que com a morte de Cristo o ser humano passa necessariamente a ser bom. A reparação de Cristo não arrebatou a liberdade da vontade humana. Se temos de poder provar o nosso amor a Deus pela obediência, temos de conservar a liberdade de escolha que essa obediência requer.

 

4. Nascemos à sombra do pecado original. Além deste, lutamos com o que chamamos de pecado atual. Este pode ser mortal ou venial segundo seu grau de malícia. Consideramos assim que há graus de gravidade na desobediência.

- Assim, também desobedecemos a Deus em matérias de menos importância, e isso não significa negar a ele o nosso amor (faltas veniais). A falta venial situa-se também quando há ignorância ou falta de consentimento pleno (falta de reflexão suficiente) ou quando o medo às consequências diminui a minha liberdade de opção.

- Neste falta a malícia de um desprezo por Deus consciente e deliberado. ‘Veniais’ – do latim ‘perdão’. Deus perdoa prontamente os pecados veniais, mesmo que não se recorra ao sacramento da Penitência; um sincero ato de contrição e o propósito de emenda bastam para o seu perdão.

- Isso não significa que este tenha pouca importância. Todo pecado é uma forma, um ato, de ingratidão para com Deus. Ele diminui um pouco o amor de Deus em nosso coração e debilita a nossa resistência às tentações. Dizendo ‘sim’ às pequenas infidelidades, acabaremos dizendo ‘sim’ à tentação grande, quando esta se apresentar.  

Formação – A Criação e os Anjos


Como começou a criação?

 

1. Uma situação: Um costureiro, um perfumista: se gabam de lançar uma nova ‘criação’. A palavra aqui é usada num sentido mais amplo. Por mais nova que seja uma moda, terá que se buscar um tecido de algum tipo. Por mais agradável que seja um perfume, tem que se buscar numa espécie de ingrediente ou combinações.

- ‘Criar’ significa ‘fazer do nada’. Nesse sentido, só Deus, cujo poder é infinito, pode criar. Assim o autor do Eclesiastes tem razão em dizer que não nada de novo sob o céu. Em toda e qualquer forma de criação, estaremos trabalhando todo o tempo com materiais já proporcionados por Deus. 

 

2. Quando Deus cria, não necessita de materiais ou utensílios para trabalhar. Simplesmente quer que alguma coisa seja, e pronto, essa coisa surge. Gn 1,306. CIC 296.

- A vontade criadora de Deus não só chamou todas as coisas à existência, como as mantem nela. Se Deus retirasse o sustentáculo da sua vontade a qualquer criatura, ela deixaria de existir naquele mesmo instante; voltaria ao nada do qual saiu.

 

3. Os Anjos. Primeira obra da criação. Um anjo é um espírito: um ser com inteligência e vontade, mas sem corpo, sem dependência alguma da matéria. CIC 328. O anjo, como ser espiritual é completo e superior ao ser humano.

- A alma humana é também espírito, mas nunca será um anjo, pois foi feita unida a um corpo físico (já tratamos do assunto ao falarmos da Ressurreição da Carne e da Vida Eterna).

- A literatura e o cinema nos trazem histórias de habitantes de outros planetas, geralmente representados como mais inteligentes e poderosos que nós. Mas dificilmente, por mais criativo que fossem, poderiam descrever com justiça a beleza, a inteligência e o poder de um anjo.

- O anjo está na ordem inferior desses seres espirituais. A Sagrada Escritura enumera os arcanjos, os principados, as potestades, a as virtudes, as dominações, os tronos, querubins e serafins. Se um anjo é superior ao ser humano... que dizer de um arcanjo.

 

4. Pouco sabemos sobre os anjos, sua natureza íntima ou os graus de distinção entre eles. Nem quantos são.

Dn 7,10 – CIC 331-333: as principais aparições no Antigo e Novo Testamento.

- Foi nos dado conhecer os nomes de 3 anjos: Gabriel (‘Fortaleza de Deus’); Miguel (‘Quem como Deus’); Rafael (‘Remédio de Deus’).

- Parece que Deus fez-nos apenas vislumbrar a magnificência e maravilhas de realidades que um dia viremos a conhecer. Nossa atenção permanece em Deus, cuja perfeição é incomensuravelmente superior ao mais perfeito dos seres celestes.

 

5. Os anjos são dotados de vontade, que os faz supremamente livres. Para alcançar a Deus é necessário amá-lo. É pelos atos de amor a Ele que o espírito, seja anjo ou alma humana, fica habilitado a contemplá-lo eternamente.

- Este amor tem que ser provado pelo único modo como o amor pode ser provado: pela livre e voluntária submissão da vontade criada por Deus, por aquilo que chamamos comumente um ‘ato de obediência’ ou um ‘ato de lealdade’.

- Nesse sentido, os anjos são dotados de livre arbítrio para que fossem capazes de fazer o seu ato de amor por Ele, de escolhê-lo. Só assim podem entrar em união eterna com Ele, ao que chamamos ‘céu’.

 

6. Não sabemos a que prova os anjos foram submetidos. Alguns teólogos pensam que Deus deu aos anjos uma visão prévia de Jesus Cristo, o Redentor da raça humana, e lhes mandou que o adorassem em todas as suas humilhações: no estábulo (criança) e na cruz (um criminoso). Segundo esta teoria, alguns anjos se teriam rebelado ante a perspectiva de terem que adorar ao Deus encarnado.

- Conscientes da sua própria grandeza espiritual, da sua beleza e dignidade, não quiseram fazer tal ato de submissão que adoração a Jesus lhes pedia. Sob a chefia de um dos anjos mais dotados, Lúcifer, ‘Portador da luz’, o pecado do orgulho afastou de Deus muitos anjos, e o terrível grito ‘não servirei’, ecoou nos céus. CIC 392.

- É aqui que começa o inferno. Inferno é essencialmente a rebelião de um espírito que se separa de Deus.

 

7. Quando a raça humana pecou na pessoa de Adão, Deus ofereceu ao gênero humano uma segunda oportunidade. Mas não aos anjos, dada a sua perfeita clareza e liberdade. Nem a infinita misericórdia de Deus poderia encontrar desculpa para o pecado dos anjos. Neles não houve ‘tentação’, pois compreendiam num grau que nenhum ser humano poderia chegar...

- Sua decisão é definitiva. Essa rejeição a Deus e a todas as suas obras é eterna. Não sabemos quantos anjos pecaram. A Palavra faz vislumbrar um grande número.

 

8. A esses anjos caídos, comumente chamamos de demônios. Satanás é uma palavra hebraica que significa ‘adversário’. Eles se tornaram, por sua vez, adversários dos homens por extensão ao ódio que têm a Deus. esse ódio torna-se mais compreensível à luz da crença de que Deus criou o homem precisamente para substituir os anjos que pecaram.

- Ao pecar, os anjos não perderam nenhum dos seus dons naturais. São inteligentes e possuem um poder sobre a natureza incomparavelmente superior aos seres humanos. Assim, toda a sua inteligência e todo o seu poder concentram-se em afastar do céu as almas a ele destinadas.

- Seu esforço é arrastar o homem ao seu mesmo caminho de rebelião contra Deus. Por isso dizemos que estes nos tentam ao pecado.

- Não conhecemos o limite exato do seu poder. Ignoramos até que ponto pode influir sobre a natureza humana, mas não pode forçar-nos a pecar, não pode destruir a nossa liberdade de escolha.

 

O demônio é real?

 

9. Há sempre algum bem, mesmo no pior dos seres humanos. Enquanto que demônio é 100% mau, ódio... Se nos sentimos mal ao encontrarmos alguém manifestamente depravado, conviver eternamente com um ser assim é algo difícil de pensar.

- Haverá sempre o perigo de esquecer essa força viva e atuante. Transformá-lo numa ‘superstição medieval’. O pior erro seria ignorar sua existência; as possibilidades de vitória de um inimigo aumentam em proporção à cegueira ou inadvertência da vítima.

 

10. Se um simples ser humano pode induzir-nos a pecar, o demônio, se pode dizê-lo, com muito mais poder de convicção, coloca-nos perante tentações sutis e muito menos claras.

- Não esqueçamos que sempre podemos dizer não. Compreendemos que nem todas as tentações vêm do diabo. Muitas vêm do mundo que nos rodeia, até de amigos e conhecidos. Outras procedem de forças interiores profundamente arraigadas em nós – que chamamos paixões – forças imperfeitamente controladas e, com frequência, rebeldes, que são o resultado do pecado original. Mas se quisermos podemos sempre dominá-la.

 

11. Deus não pediria de nós aquilo que não podemos dar. Não devemos angustiar-nos, se nos vem tentações constantes. É vencendo-as que adquirimos o mérito diante de Deus, por estas batalhas crescemos em santidade. Teria pouco mérito sermos bons, se fosse fácil.  CIC 395.

- Essa batalha não vencemos sozinhos. É necessário o auxílio de Deus. Fazemos o que está ao nosso alcance, na busca dos sacramentos e na oração habitual. Deus não pode fazer tudo por nós. É necessário que evitemos o perigo desnecessário: lugares, pessoas, circunstâncias. Se buscamos o perigo, ataremos a mão de Deus.

 

Conclusão: Que os anjos nos ajudam, é matéria de fé. Se não acreditamos nisso, também não acreditamos na Palavra, na Igreja. Que cada um tem um anjo da guarda pessoal, não é matéria de fé, mas crença comumente aceita por todos os católicos. E assim como honramos a Deus com a nossa devoção aos seus amigos e heróis – os santos – cometeríamos um grande erro se não honrássemos e invocássemos as suas primeiras obras-primas, os anjos, que povoam o céu e protegem a terra.

 

A Ressurreição da carne e a Vida Eterna – Credo


O mês de novembro, para a nossa fé cristã católica, é marcado pela memória dos falecidos, sejam eles santos ou não, ao mesmo tempo por questões em torno do morrer e do pós-morte, que envolve a pergunta de sempre: “de onde viemos e para onde vamos”?

Se “viemos” de Deus, é para Ele que retornamos. A nossa vida aqui em baixo é o tempo que Deus nos dá para adquirirmos e provarmos o amor que lhe guardamos no nosso coração, um amor que devemos provar ser maior que o amor por qualquer dos bens por Ele criados, como o prazer, a riqueza, a fama ou os amigos. Devemos provar que o nosso amor resiste à investida dos males criados pelo homem, como a pobreza, a dor, a humilhação ou a injustiça. Para alguns, o caminho será curto; para outros, longo. Para uns, suave; para outros, abrupto. Mas acabará para todos. Todos morremos.

A morte é a separação da alma e do corpo. Raras vezes se pode determinar o instante exato em que isso ocorre. No entanto, uma vez que o sangue começa a coagular e aparece o rigor mortis, sabemos com certeza que a alma deixou o corpo. O que acontece então? No exato momento em que a alma abandona o corpo, é julgada por Deus. O juízo individual da alma imediatamente após a morte chama-se Juízo Particular.

Onde é que tem lugar esse juízo particular? Aqui não podemos usar as palavras “espaço” ou “lugar” no sentido ordinário. A alma não tem que ir a lugar nenhum para ser julgada. Quanto à forma em que se realiza este juízo particular, só podemos fazer conjeturas: a única coisa que Deus nos revelou é que haverá um juízo particular. Os teólogos conjeturam que provavelmente o que acontece é que a alma se vê como Deus a vê, em estado de graça ou em pecado, e, consequentemente, sabe qual será seu destino segundo a infinita justiça divina. Este destino é irrevogável. O tempo de prova e de preparação terminou. A misericórdia divina fez tudo quanto podia; agora prevalece a justiça de Deus. Ver CIC (Catecismo da Igreja Católica) ns. 1006 a 1014.

O que acontece depois? “A doutrina da Igreja afirma a existência do inferno e a sua eternidade. As almas dos que morrem em estado de pecado mortal descem imediatamente, depois da morte, aos infernos, onde sofrem as penas do inferno, o ‘fogo eterno’ (cf. DS 76). A principal pena do inferno consiste na separação eterna de Deus, único em Quem o homem pode ter a vida e a felicidade para que foi criado e aspira” (CIC 1035; cf. Também os nn. 1033-4 e 1036-7).

Não se sabe com certeza como é o inferno, já que ninguém voltou pra contar. A imagem do fogo é apenas um apelo linguístico para descrever a chamada pena de sentido, mas o mais importante é a pena de dano, ou seja, a plena consciência da separação eterna de Deus. No âmbito destas verdades reveladas, cada qual imagina o inferno a seu modo.

Se tivermos a graça, rara, de morrermos sem a menor mancha nem vestígio do pecado em nossa alma, será o momento da nossa mais brilhante vitória: a visão beatífica, gélido termo teológico que designa a resplandecente realidade que ultrapassa qualquer imaginação ou descrição humana: o Céu. Não apenas uma “visão” no sentido de “ver” a Deus; designa também a nossa união com Ele: Deus que toma posse da alma, e a alma que possui a Deus, numa unidade tão inteiramente arrebatadora que supera sem medida a do amor humano mais perfeito. Uma felicidade que nada poderá arrebatar-nos. Um instante de ventura absoluta, que jamais terminará. É a felicidade para sempre: assim é a essência da glória eterna. Cf. CIC ns. 1023 a 1029.

E se na hora de nossa morte não estivermos na mais perfeita pureza de alma? Aqui se põe de manifesto como é razoável a doutrina sobre o purgatório. Mesmo que esta doutrina não tivesse sido transmitida pela Tradição desde Cristo e os Apóstolos, a simples razão nos diria que deve haver um processo de purificação final que lave até a menor imperfeição que se interponha entre a alma e Deus. Esta é função do estado de sofrimento temporário que chamamos de purgatório. Cf. CIC 1030-2.

No purgatório, como no inferno, há uma pena de sentido, mas, assim como o sofrimento essencial do inferno é a perpétua separação de Deus, o sofrimento essencial do purgatório será a penosíssima agonia que a alma tem que sofrer ao ver adiada, mesmo por um instante, a sua união com Deus. Se nos veio a mente o pensamento a respeito de “tempo”, não podemos falar dele no sentido que o conhecemos: não dias ou noites, horas ou minutos. No entanto, se medirmos o purgatório quer em termos de duração ou de intensidade, é certo que a alma do purgatório não pode diminuir ou encurtar os seus sofrimentos. Nós, que ainda vivemos na terra, sim, podemos ajudar essas almas, pela misericórdia divina; a frequência e a intensidade da nossa oração, seja por uma determinada alma ou por todos os fiéis defuntos, dar-nos-á a medida do nosso amor.

Talvez essas realidades nos tragam um pensamento sobre como e quando esse mundo acabará. Os textos bíblicos descrevem alguns prodígios que precederão o fim do mundo (cf. Mt 24). Mas tudo isso nos diz bem pouco; já vimos e ouvimos muito sobre guerras, pestes e outros acontecimentos. O que nos resta é estarmos preparados e vigilantes, insiste a Palavra de Deus e a nossa liturgia.

Uma das coisas que sabemos com certeza sobre o fim do mundo é que, quando a história humana acabar, os corpos de todos os que viveram se levantarão dos mortos para unir-se novamente às suas almas: é a Ressurreição da carne. Já que foi o homem inteiro, corpo e alma, quem amou a Deus e o serviu, mesmo à custa da dor e do sacrifício, é justo que seja o homem inteiro, alma e corpo, quem goze da união eterna com Deus, que é a recompensa do amor. E já que é o homem inteiro quem rejeita a Deus ao morrer em pecado, impenitente, é justo que o corpo partilha com a alma a separação eterna de Deus, que o homem como um todo escolheu.

É dessa realidade que nasce o culto aos mortos. Cada batizado foi certamente um templo de Deus, dai o cuidado sobre o momento de sepultar em meio as nossas orações, afeto e reverencia.

Uma última realidade presente em nosso credo é o chamado Juízo Universal ou Final. Este não oferecerá surpresas em relação ao nosso eterno destino. Já teremos passado pelo Juízo particular; a nossa alma já estará no céu ou no inferno. Este momento trás a marca da vinda gloriosa de Cristo. O escopo do Juízo final é dar glória a Deus, manifestando a toda a humanidade a sua justiça, a sabedoria e a misericórdia. O conjunto da vida – que com tanta frequência nos parece um emaranhado esquema de acontecimentos sem relação entre si, às vezes duros e cruéis, às vezes mesmo estúpidos e injustos – desenrolar-se-á diante dos nossos olhos. Veremos que a minúscula parte da vida que conhecemos se encaixa no magno conjunto do plano salvífico de Deus para o ser humano. Veremos que o poder e a sabedoria de Deus, o seu amor e sua misericórdia, foram sempre o motor do conjunto. “Por que Deus permite que isto aconteça?”, queixamo-nos com frequência. “Por que Deus faz isto ou aquilo?”, perguntamo-nos. Nesse momento conheceremos as respostas. Cf. CIC ns. 1038 a 1041.

Todas essas realidades que abordamos brevemente tem seu aprofundamento nos tratados teológicos de nossa Igreja. Na nossa doutrina, a morte pode ser um bem. Todos os dias os católicos se lembram dos limites do seu agora e pedem ajuda à mãe de Jesus, que cremos estar viva com o Filho, para que ela ore conosco pela graça de viver bem e de morrer em paz. Aquele que nasceu morrerá! Essa é a realidade. Para todos chega a hora de ir. Jesus propõe, como vimos, que estejamos preparados (cf. Mt 24,36-42). Por isso pedimos ajuda do céu para enfrentar essas duas realidades, o que não é nem nunca foi fácil. Mas, como diz Paulo, há um momento em que morrer é lucro (cf. Fl 1,21), principalmente quando alguém combateu o bom combate (cf. 2Tm 4,7) e seu viver foi Cristo (cf. Gl 2,20). Paulo ainda ensina que Jesus entregou sua vida pelos outros (cf. Rm 5,8). É graça enorme viver como quem sabe que vai morrer e morrer como quem sabe que achou o sentido do seu viver.

A Bíblia está cheia de passagens que falam de abraço, colo, ternura, aconchego, seio do Deus que perdoa e ama. Também esta cheia de avisos de que a justiça de Deus funciona. Mas a ideia de raham, colo, está expressa com clareza nos evangelhos e nas epístolas. Jesus tem ombro de pastor e colo de amigo. Ele oferece ombro e colo ao pecador e nos convida a ir para onde Ele foi preparar-nos um lugar (cf. Jo 14,2). Cremos em acolhimento na terra e no céu e anunciamos que os santos que morreram esperando a misericórdia de Jesus estão na glória. São nossos antecessores e predecessores. Estão onde estaremos: no colo de Deus. Por isso podem, sim, orar por nós, tanto quanto os “santos” daqui, mais sujeitos ao pecado que os de lá, podem orar uns pelos outros. Eles realmente estão salvos. Os “santos” daqui ainda correm algum risco. Por isso, segundo Paulo, operam com temor e tremor a sua salvação (cf. Fl 2,12; 2Cor 5,11).

Ver-nos-emos lá no céu. Quem nos precedeu e nos espera já sabe o que é viver e morrer. Nós, um dia, como eles, saberemos quem é, como é, como foi. Lá, no “para sempre” e na eternidade, entre os salvo pela misericórdia e pelas respostas que deram a Deus e ao próximo, celebraremos para sempre as maravilhas do colo e do amor do criador.

 

(Serviram com fontes para este texto: “A fé explicada” de Leo J. Trese [Ed. Quadrante]; “De volta ao catolicismo” de Pe. Zezinho, scj [Ed. Paulinas]).