Oração para antes da leitura: “Jesus, nosso Mestre, és o caminho,
a verdade e a vida. Ensina-nos a ciência do teu amor. Dá-nos o Espírito Santo a
fim de que aprendamos tudo que nos disseste. Jesus Mestre, caminho, verdade e
vida, tem piedade de nós”.
1. Nosso estudo da
Palavra: Não pretendemos fazer um comentário extensivo de cada livro da
Bíblia, mas oferecer uma chave de leitura, uma espécie de lanterna que nos
ajuda a focalizar e a enxergar, no seu conjunto, o livro escolhido. Nosso
objetivo é esclarecer algumas dúvidas possíveis e uma aplicação do texto à
nossa própria história.
2. O Livro das Origens. Gênesis (Gn) é uma palavra grega que
significa nascimento, origem. O primeiro livro da Bíblia foi assim chamado
porque nele encontramos as narrativas sobre as origens do mundo, da humanidade e do povo de Deus. Não se trata de
narrativas históricas, no sentido atual daquilo que um historiador faz. São
antes reflexões do autor sagrado
sobre sua origem e origem das coisas. Olhar o passado para entender o presente.
Ele procura analisar o que acontece no mais profundo da história e da vida. Por
exemplo: temos a experiência do mal? Como explica-lo na sua raiz profunda, não
tanto no tempo, mas na sua realidade mais íntima? Para responder a essas
perguntas conta-se uma história para fazer ver a raiz do mal (cf. Gn 3).
- Podemos distinguir
duas grandes partes neste livro. A primeira, formada pelos capítulos 1 a 11,
tem aspecto bastante geral e visa mostrar as origens do mundo, da vida e do
processo da história humana dominada pela ambiguidade. A segunda é formada
pelos capítulos 12 a 50, onde vamos encontrar conjunto de narrativas populares
sobre as raízes distante e obscuras do povo de Deus.
- Dividiremos o Gn em
três partes: 1-11 (O mundo e a humanidade); 12-36 (raízes do povo de Deus);
37-50 (Deus age através dos acontecimentos).
3. Primeira parte. O mundo e
a humanidade. (Gn 1-11)
A Criação (Gn 1-2). Encontramos duas narrativas sobre a
criação. Elas pertencem a épocas diferentes e refletem situações e problemas
diferentes. Nenhuma delas pretende ser um relato científico das origens do
mundo e do homem, pois o narrador não estava presente ao acontecimento. A
primeira narrativa (1,1—2,4a) da criação nasceu durante o exílio na Babilônia
(586-538 a. C.) e é obra de sacerdotes. O objetivo era conter o risco da perda
da própria identidade, cultura e religião, e assimilar o ambiente estrangeiro.
A segunda narrativa (2,4b-25) sobrea criação é muito anterior a primeira, pois
foi redigida no tempo de Salomão (971-931 a. C.) e reflete outra situação e concepção
de criação.
- A ambiguidade
humana (Gn 3). Ao dizer que a serpente tentou desde os primeiros seres
humanos, o texto se refere a uma problemática mais ampla, cujos efeitos podem
ser vistos no mundo político, econômico e social. Mas o que se quer salientar é
que existe na vida de cada pessoa o mesmo fenômeno: a tendência a
autossuficiência e à pretensão de um discernimento absoluto. Esse discernimento
absoluto e essa vida em plenitude são prerrogativas de Deus. É claro que ele
criou o homem para que ele chegue a isso através do desenvolvimento pessoal,
social e histórico. O pecado está no fato do homem absolutizar o seu pequeno
discernimento, como se fosse o discernimento absoluto.
- A ambiguidade da
história (Gn 4-11). Esses capítulos narram a história do progresso e da
civilização sob o olhar do autor sagrado como uma análise profunda da história
dominada pela ambiguidade humana, isto é, a pretensão de ocupar o lugar de
Deus. Percebemos reflexão sobre a competição social (4,1-16), progresso e
violência (4,17-26), mas em meio a este “caos” esta o homem religioso que
invoca o nome de Deus e tenta reatar sua ligação com Deus e Seu projeto
original. A salvação continua na história (cap. 5). As catástrofes históricas
(caps. 6-9). A história continua (cap. 10). A pretensão da cidade (11,1-9).
Preparando uma nova história (11,10-32).
- Podemos nos servir
de toda essa parte da bíblia para fazer uma análise profunda de nossa história.
Chegaremos à conclusão de que as coisas não mudaram tanto e de que há sempre a
necessidade de uma alternativa na construção do processo histórico. É o que
teremos a partir de Gn 12.
4. Segunda Parte. As raízes do povo de Deus. (Gn 12-36)
- Abraão e o
dinamismo da fé (Gn 12,1—25,18). A história dos patriarcas não deve ser
lida como histórias isoladas, e sim como narrativas sobre famílias, clãs e tribos. Por trás das personagens individuais
temos, na verdade, grupos inteiros, ora em acordo, ora em desacordo entre si. A
data dos acontecimentos também é discutida, e as opiniões variam entre 1850 e
1330 a.C. Esses grupos são seminômades (buscam uma terra fértil para se
instalar) e professavam a fé num Deus diferente daqueles grupos já fixados, é o
Deus dos pais. A característica
principal é que Ele não ficava localizado num templo, mas acompanhava os
movimentos do grupo, como uma espécie de Deus itinerante.
- A fé como
abertura histórica (cap. 12). Com Abraão começa a história do povo de Deus
como alternativa para o processo histórico narrado em Gn 3-11. Desde o início,
Abraão aparece como o homem cuja vida é determinada pela fé. Em que consiste essa fé? Deixar
todas as seguranças (terra, parentes, casa do pai) e ir para uma terra que ele não conhece. O que motiva esse movimento
é a promessa de se tornar um grande
povo e possuir uma terra como propriedade. Todavia, no clima da fé, o horizonte
é maior: tornar-se um povo numeroso, portador de Benção e, portanto, de vida
para toda a humanidade (12,1-4.7).
A fé é dinamismo que
provoca mudança: deixar uma determinada situação para produzir uma realidade
alternativa. Nesse sentido, não devemos entender a obediência à fé como um
movimento simplesmente geográfico. Sair e ir podem e devem ser entendidos como
transformação da realidade. Não qualquer mudança, mas aquela que satisfaz às
aspirações legítimas, tanto de Deus como do homem. Na verdade, o Deus que fala
a Abraão, fala por dentro de suas aspirações.
- A crise da fé
(caps. 15-18).
Abraão recebe a promessa e responde com o empenho da fé, entregando a sua vida
para que a promessa se cumpra. Contudo, o tempo passa e as coisas prometidas
não se verificam imediatamente. Abraão continua peregrino e não possui nenhuma
terra; por outro lado, torna-se cada vez mais velho e a esterilidade de Sara
compromete qualquer descendência. Como a promessa de se tornar um grande povo
pode se realizar, quando parece impossível ter ao menos um filho? Até que ponto
a fé na promessa de Deus é eficaz?
Diante da
impossibilidade, o homem muitas vezes cria um meio para que as aspirações
profundas se realizem, viabilizando, segundo a visão humana, aquilo que Deus
prometeu. É o caso de Abraão tendo um filho com a escrava Agar, um subterfúgio
legítimo naquele tempo para que a família não ficasse sem descendência.
Todavia, o caminho não é facilitar as coisas. O que parece impossível para a
visão humana, não é impossível para Deus (18,14). A fé exige entrega e
confiança total, pois o mais íntimo da espiração humana só pode ser realizado
pela graça de Deus.
A crise de fé, porém,
em vez de abalar ou minar a fé, pode reforça-la e, dentro do mistério, fazer
com que o homem compreenda mais profundamente que Deus tem seus próprios
caminhos. Essa confiança na novidade de Deus é que constitui um crédito de
justiça para o homem “Abraão acreditou no Senhor, e lhe foi creditado como
justiça” (15,6). O que significa essa justiça? É a vontade de Deus que através
da disponibilidade humana, se transforma em projeto visível na história. As
crises de fé mostram bem que a origem e a formação do povo de Deus acontecem
através da impossibilidade humana que, em vez de ser logo solucionada por Deus,
é, pelo contrário, ainda mais testada, para que fique claro que o povo de Deus
nasce por pura graça. Isso aconteceu no passado e continua a acontecer sempre,
porque, como diz Lc, “para Deus nada é impossível” (1,37).
- A fé exige conversão
permanente (caps. 21-22). Nasce Isaac (21,1-7) e mesmo assim Abraão é colocado
á prova: sacrificar o filho tão esperado. Sacrificar o filho a Deus significa
sacrificar o futuro, ou melhor, não se apossar de antemão desse futuro. Dessa
forma podemos perceber que a fé é um tipo de posse, mas não a posse segura do
que virá pela frente. A vida pertence a Deus e só ele pode determinar o
caminho. Esse texto redigido no tempo de Salomão critica a visão triunfalista de
uma fé que arriscava cair no perigo de uma cristalização histórica e duvidosa
da promessa. Para obedecer a Deus, Abraão estava disposto a sacrificar Isaac.
Foi graças à sua disponibilidade que ele recuperou o filho, mas certamente
sabendo que o filho era mais uma vez nascido da graça. O mesmo deve acontecer
com o povo de Deus na história. Esse povo deve estar disposto a, em nome da fé,
sacrificar o presente, a fim de construir um futuro novo. Também o texto quer
afirmar que Deus não quer sacrifício da vida humana, seja ele interrupção ou
diminuição dessa vida. O itinerário de Abraão é o mesmo de qualquer outra
pessoa de fé. Nele se concretiza o que mais tarde dirá a carta aos hebreus: “A
fé é um modo de já possuir aquilo que se espera, é um meio de conhecer
realidades que não se veem” (Hb 11,1).
Oração final: “Jesus, divino Mestre, só tu tens palavras de vida eterna.
Eu creio, Jesus, meu Senhor e minha verdade, mas aumenta a minha fé. Eu te amo,
e te entrego as minhas energias, procurando guardar fielmente os teus
mandamentos. E te peço, meu Senhor e minha vida, aceita minha adoração, o meu
louvor, a minha ação de graças, pelo dom da Sagrada Escritura. Com Maria,
lembrarei tuas palavras, meditando-as no meu coração. Jesus Mestre, caminho,
verdade e vida, tem piedade de nós”.
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