Um Homem Silencioso
Já
comentamos que no evangelho, José passa como uma sombra, despercebido, sem
agitação e sem ruído. Não diz uma palavra. O encontramos em Mateus, angustiado,
tentando descobrir uma saída honrada e justa para resolver o problema que se
lhe tinha posto. Mas vive isso em silêncio, sem fazer participar a ninguém o
que lhe acontecia, pois poderia prejudicar outra pessoa. É sozinho, diante de
Deus e da própria consciência que deve examinar serenamente a situação; sem
lamentos, enfrenta as circunstâncias com lucidez e suporta o peso da sua
própria decisão.
É
sem queixas e sem atrasos que abandona Nazaré com Maria para ir a Belém
recensear-se. Mesmo lá não se percebe nenhuma menção de ansiedade e da sua
humilhação ao não encontrar, na cidade de Davi, um teto para sua esposa,
prestes a dar à luz; não se desculpa por ter somente uma gruta a oferecer e
ali, em silêncio, observa o desfile dos pastores, a narração da visão noturna
dos Anjos, os magos e a homenagem ao Menino e à sua Mãe.
Em
silêncio seguirá para o Egito, sem pedir muitas explicações e assim também
voltará a Nazaré, dando início ao que chama de anos obscuros, com um silêncio
ainda mais denso. Mesmo na primeira viagem ao Templo com o garoto, na busca
angustiada, deixa que seja a Mãe a fazer-lhe a pergunta que deveria ser feita.
E aqui dar-se sua última aparição no Evangelho. Nada sabemos da sua morte,
talvez uma ou outra menção que Jesus era filho de José, o carpinteiro.
Esta
vida que passa em silêncio não significa que não tenha nada a nos dizer. Este homem
envolto em silêncio, inspira silêncio. Não uma simples ausência de palavras ou
de pensamentos, nem uma espécie de lacuna a ser preenchida, simples mutismo.
Pelo contrário, é um silêncio denso, um silêncio profundo em que são sentidas
todas as palavras. O seu silêncio é a abdicação de palavras ante o Insondável e
o Imenso. Ele se encontra diante de um mistério e ao mesmo tempo chamado para
velar o mistério e proteger os seus protagonistas. Que podia ele dizer, diante
de tudo isso? Não se fala quando se está imerso na contemplação do divino,
quando a grandeza do que se está a contemplar é tal que qualquer palavra se
torna trivial, uma vez que o acontecimento ultrapassa completamente a pessoa e
o que ela possa dizer. E se houvesse algo a dizer, certamente não seria ele a
fazer. Sua missão era outra.
Essa
é a primeira característica que observamos em são José: o seu silêncio; um
silêncio que não é vazio, antes está cheio de conteúdo. E a primeira lição que
dele podemos aprender é que há um silêncio que nos é proveitoso, um silêncio
que não provém da distração, da ausência do pensamento que está em ‘outra
coisa’, mas um silêncio que tem como causa a contemplação e que é, ao mesmo
tempo, condição para que a interioridade seja possível. É necessário que haja um
mínimo de silêncio para que a atenção da mente se aplique sossegadamente na
consideração do que temos ante nós, na resolução das questões que a vida diária
nos apresenta frequentemente.
Um
homem que cala pode escutar, e um homem que escuta está em condições de
aprender muitas coisas. Assim José pode escutar o anjo que, no seu sonho, lhe
descobriu o grande segredo que afetava tão profundamente, não só a sua própria
vida, mas a de todo gênero humano. Mas é muito difícil escutar quando não
conseguimos deter o jorro de lugares comuns e de banalidades que saem aos
borbotões da nossa boca. Como é possível escutar se vivemos envoltos num
alvoroço ensurdecedor.
Há
também um silêncio que é fortaleza (cf. Is 30,15). Aprender a suportar as
cargas sem se queixar e sem apregoar aos quatros ventos, enfrentar problemas
pessoais sem os atirar para as costas dos outros, responder pelos próprios atos
decisões sem se refugiar em desculpas e justificações reveladoras de escassa
qualidade pessoal, tudo isso é prova de quem um ser humano chegou realmente a
sê-lo. José é este homem silencioso que esperou em Deus, deu provas da sua
fortaleza em situações difíceis e comprometedoras, mantendo-se digno da
confiança nele depositada.
É
sempre melhor guardar silêncio acerca daquilo que não deve ser dito.
Normalmente é o orgulho ou a vaidade que nos levam a falar de coisas acerca das
quais deveríamos ficar calados. Por isso, ferimos muitas vezes os outros com
nossas palavras, ou usamos palavras como pedras atiradas ao ar, que acabam por
magoar os outros quando caem (pior ainda, se as atiramos de propósito para onde
sabemos que vão doer...). Deveríamos ser muito cuidadosos com o que dizemos. As
palavras que uma pessoa pronuncia hoje continuam a viver, mesmo depois de
passado muito tempo, no pensamento de outros. E quem as pronuncia ou escreve o
publica, torna-se em parte responsável, quer queira quer não, de todas as
consequências que forem provocando ao longo dos anos, do bem ou do mal que
essas palavras têm causado.
O
silêncio de José, tão pleno e tão denso, dever-nos-ia fazer pensar, a nós,
homens e mulheres de hoje. Falamos demasiado. Este homem, que poderia ter-nos
comunicado coisas maravilhosas porque durante muito tempo esteve no centro do
mistério, cala-se. Protege, com o seu
silêncio, a intimidade do que deve permanecer oculto, velado, quer à
curiosidade superficial de olhares que vagueiam inquietos duma coisa para
outra, quer às línguas expeditas cuja única ocupação parece ser espalhar aos
quatro ventos notícias, boatos e vidas alheias que não interessam a ninguém. E,
nos nossos dias, parece, desgraçadamente, que a única missão – ou pelo menos a
principal – dos chamados meios de comunicação social é manter-se continuamente
a falar, oralmente ou por escrito, acerca de qualquer coisa e sobre todo tipo
de assunto.
Talvez
seja esta a causa de que haja pouca interioridade entre os nossos
contemporâneos, de que, à força de se verterem nos inúmeros acontecimentos de
toda a espécie que os solicitam desde os mais diversos pontos de vista, se
tenham exteriorizado de tal modo que os frutos que podem mostrar como resultado
de tanta atividade sejam apenas a agitação e o empobrecimento interior. São
José, pelo contrário, que tantas coisas poderia dizer, não fala. Guarda dentro
de si as grandezas que contempla. E é seguramente essa atitude que faz que um
homem permaneça em paz, ‘Senhor da sua alma e em posse do seu silêncio’.
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