São José – III

 Um Homem Silencioso

 

Já comentamos que no evangelho, José passa como uma sombra, despercebido, sem agitação e sem ruído. Não diz uma palavra. O encontramos em Mateus, angustiado, tentando descobrir uma saída honrada e justa para resolver o problema que se lhe tinha posto. Mas vive isso em silêncio, sem fazer participar a ninguém o que lhe acontecia, pois poderia prejudicar outra pessoa. É sozinho, diante de Deus e da própria consciência que deve examinar serenamente a situação; sem lamentos, enfrenta as circunstâncias com lucidez e suporta o peso da sua própria decisão.

É sem queixas e sem atrasos que abandona Nazaré com Maria para ir a Belém recensear-se. Mesmo lá não se percebe nenhuma menção de ansiedade e da sua humilhação ao não encontrar, na cidade de Davi, um teto para sua esposa, prestes a dar à luz; não se desculpa por ter somente uma gruta a oferecer e ali, em silêncio, observa o desfile dos pastores, a narração da visão noturna dos Anjos, os magos e a homenagem ao Menino e à sua Mãe.

Em silêncio seguirá para o Egito, sem pedir muitas explicações e assim também voltará a Nazaré, dando início ao que chama de anos obscuros, com um silêncio ainda mais denso. Mesmo na primeira viagem ao Templo com o garoto, na busca angustiada, deixa que seja a Mãe a fazer-lhe a pergunta que deveria ser feita. E aqui dar-se sua última aparição no Evangelho. Nada sabemos da sua morte, talvez uma ou outra menção que Jesus era filho de José, o carpinteiro.

Esta vida que passa em silêncio não significa que não tenha nada a nos dizer. Este homem envolto em silêncio, inspira silêncio. Não uma simples ausência de palavras ou de pensamentos, nem uma espécie de lacuna a ser preenchida, simples mutismo. Pelo contrário, é um silêncio denso, um silêncio profundo em que são sentidas todas as palavras. O seu silêncio é a abdicação de palavras ante o Insondável e o Imenso. Ele se encontra diante de um mistério e ao mesmo tempo chamado para velar o mistério e proteger os seus protagonistas. Que podia ele dizer, diante de tudo isso? Não se fala quando se está imerso na contemplação do divino, quando a grandeza do que se está a contemplar é tal que qualquer palavra se torna trivial, uma vez que o acontecimento ultrapassa completamente a pessoa e o que ela possa dizer. E se houvesse algo a dizer, certamente não seria ele a fazer. Sua missão era outra.

Essa é a primeira característica que observamos em são José: o seu silêncio; um silêncio que não é vazio, antes está cheio de conteúdo. E a primeira lição que dele podemos aprender é que há um silêncio que nos é proveitoso, um silêncio que não provém da distração, da ausência do pensamento que está em ‘outra coisa’, mas um silêncio que tem como causa a contemplação e que é, ao mesmo tempo, condição para que a interioridade seja possível. É necessário que haja um mínimo de silêncio para que a atenção da mente se aplique sossegadamente na consideração do que temos ante nós, na resolução das questões que a vida diária nos apresenta frequentemente.

Um homem que cala pode escutar, e um homem que escuta está em condições de aprender muitas coisas. Assim José pode escutar o anjo que, no seu sonho, lhe descobriu o grande segredo que afetava tão profundamente, não só a sua própria vida, mas a de todo gênero humano. Mas é muito difícil escutar quando não conseguimos deter o jorro de lugares comuns e de banalidades que saem aos borbotões da nossa boca. Como é possível escutar se vivemos envoltos num alvoroço ensurdecedor.

Há também um silêncio que é fortaleza (cf. Is 30,15). Aprender a suportar as cargas sem se queixar e sem apregoar aos quatros ventos, enfrentar problemas pessoais sem os atirar para as costas dos outros, responder pelos próprios atos decisões sem se refugiar em desculpas e justificações reveladoras de escassa qualidade pessoal, tudo isso é prova de quem um ser humano chegou realmente a sê-lo. José é este homem silencioso que esperou em Deus, deu provas da sua fortaleza em situações difíceis e comprometedoras, mantendo-se digno da confiança nele depositada.

É sempre melhor guardar silêncio acerca daquilo que não deve ser dito. Normalmente é o orgulho ou a vaidade que nos levam a falar de coisas acerca das quais deveríamos ficar calados. Por isso, ferimos muitas vezes os outros com nossas palavras, ou usamos palavras como pedras atiradas ao ar, que acabam por magoar os outros quando caem (pior ainda, se as atiramos de propósito para onde sabemos que vão doer...). Deveríamos ser muito cuidadosos com o que dizemos. As palavras que uma pessoa pronuncia hoje continuam a viver, mesmo depois de passado muito tempo, no pensamento de outros. E quem as pronuncia ou escreve o publica, torna-se em parte responsável, quer queira quer não, de todas as consequências que forem provocando ao longo dos anos, do bem ou do mal que essas palavras têm causado.

O silêncio de José, tão pleno e tão denso, dever-nos-ia fazer pensar, a nós, homens e mulheres de hoje. Falamos demasiado. Este homem, que poderia ter-nos comunicado coisas maravilhosas porque durante muito tempo esteve no centro do mistério, cala-se.  Protege, com o seu silêncio, a intimidade do que deve permanecer oculto, velado, quer à curiosidade superficial de olhares que vagueiam inquietos duma coisa para outra, quer às línguas expeditas cuja única ocupação parece ser espalhar aos quatro ventos notícias, boatos e vidas alheias que não interessam a ninguém. E, nos nossos dias, parece, desgraçadamente, que a única missão – ou pelo menos a principal – dos chamados meios de comunicação social é manter-se continuamente a falar, oralmente ou por escrito, acerca de qualquer coisa e sobre todo tipo de assunto.

Talvez seja esta a causa de que haja pouca interioridade entre os nossos contemporâneos, de que, à força de se verterem nos inúmeros acontecimentos de toda a espécie que os solicitam desde os mais diversos pontos de vista, se tenham exteriorizado de tal modo que os frutos que podem mostrar como resultado de tanta atividade sejam apenas a agitação e o empobrecimento interior. São José, pelo contrário, que tantas coisas poderia dizer, não fala. Guarda dentro de si as grandezas que contempla. E é seguramente essa atitude que faz que um homem permaneça em paz, ‘Senhor da sua alma e em posse do seu silêncio’.   

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