O Sétimo e o Décimo Mandamentos (CIC 2401-2449;2534-2550)

“Não roubarás” (Ex 20,15; Dt 5,19; Mt 19,18)

“Não cobiçarás... coisa alguma que pertença a teu próximo” (Ex 20,17).

“Tu não desejarás para ti a casa do teu próximo, nem o seu campo, nem o seu escravo, nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento, qualquer coisa que pertença ao teu próximo” (Dt 5,21)

 

1. É pecado que um faminto furte um pão? E se tiver que quebrar uma vitrine para fazê-lo? É pecado que um operário furte ferramenta da oficina em que trabalha, se todos o fazem?  Se uma mulher encontra um anel de diamante e ninguém o reclama, pode ficar com ele? É imoral comprar pneus a um preço de pechincha, se se suspeita que são roubados? Mesmo sendo claro o sétimo mandamento, sempre surgem ao “mas” e já não parece tão claro

Antes de começarmos a examinar este mandamento, podemos tratar do décimo, resumidamente. Ele é companheiro do sétimo porque se proíbe que se faça em pensamento o que é proibido fazê-lo em ações. Assim, não só é pecado roubar como também é pecado querer roubar, desejar tirar e conservar o que pertence ao próximo.

Tudo o que digamos sobre a natureza e a gravidade das ações contra este mandamento aplica-se também ao desejo correspondente, exceto que neste caso – o de não termos levado à prática esse desejo – não se nos exige restituição. Este ponto deve ser tido em conta em todos os mandamentos: que o pecado se comete no momento em que deliberadamente se deseja ou se decide cometê-lo. Realizar a ação agrava a culpa, mas o pecado já foi cometido no instante em que se tomou a decisão ou se consentiu no desejo. Por exemplo, se decido roubar uma coisa assim que se apresente a ocasião, e esta nunca aparece, impedindo-me de levar avante o meu propósito, esse pecado de intenção de roubar pesará sobre a minha consciência.

 

2. O sétimo mandamento me obriga a praticar a virtude da justiça, que se define como a virtude moral que obriga a dar a cada um o que é seu, o que lhe é devido.  Pode-se violar esta virtude de muitas maneiras. Em primeiro lugar, pelo pecado de roubo, que é classicamente chamado furto quando se tiram os bens alheios ocultamente, e rapina se se tomam com violência e manifestamente.

Roubar é tirar ou reter voluntariamente, contra o direito e a razoável vontade do próximo, aquilo que lhe pertence. “Contra o direito e a razoável vontade do próximo” é uma cláusula importante. A vida é mais importante que a propriedade. Não é razoável recusarmo-nos a dar a alguém algo de que precisa para salvar a sua vida. Assim, o faminto que toma um pão, não rouba. O fugitivo que se apossa de um carro ou de um barco para escapar dos perseguidores que lhe ameaçam a vida ou a liberdade, não rouba.

Esta cláusula distingue também roubar de tomar emprestado. Se o meu vizinho não está em casa e pego da sua garagem umas ferramentas para reparar meu automóvel, sabendo que ele não faria objeção, é claro que não roubo. Mas é igualmente claro que é imoral tomar emprestada uma coisa que sei que seu proprietário se oporia a isso. O empregado que toma emprestado o dinheiro da caixa, ainda que pense devolver algum dia esse “empréstimo”, é réu de pecado.

Seguindo esse princípio de que tudo o que seja privar alguém, contra a sua vontade, do que lhe pertence, se for feito deliberadamente, é pecado, já vemos que, além de roubar, há muitas maneiras de violar o sétimo mandamento. Não cumprir um contrato ou um acordo de negócios, se causa prejuízos à outra parte contratante, é pecado. Também o é assumir dívidas sabendo que não se poderão pagar: é um pecado muito comum nestes tempos, em que tanta gente vive acima das suas possibilidades. Igualmente, é pecado danificar ou destruir deliberadamente a propriedade alheia. 

 

3. Fraude: privar alguém do que pertence, usando de engano. Incluem-se neste grupo as práticas por meio das quais se rouba no peso, nas medidas ou no troco, ou se vendem produtos de qualidade inferior sem reduzir o preço, ou se ocultam defeitos de uma mercadoria (os vendedores de carros de segunda mão, bem como os vendedores, devem precaver-se contra isto), ou se vende com margens de lucro exorbitantes, ou se passa um cheque sem fundos ou moeda sabiamente falsa, ou se vendem produtos adulterados: numa palavra, são pecado todos os sistemas de tornar-se rico do dia para a noite, que tanto abundam na sociedade moderna. Outra forma de fraude é não pagar o salário justo, recusando aos trabalhadores e empregados o salário suficiente para viverem, aproveitando-se de que o excesso de mão-de-obra no mercado permite ao patrão dizer: “se você não gosta de trabalhar aqui, desapareça”. E também pecam os operários que defraudam um salário justo, se deliberadamente desperdiçam os materiais ou o tempo da empresa, ou não rendem um justo dia de trabalho pelo justo salário que recebem.

O funcionalismo público é escolhido e pago para executar as leis e administrar assuntos públicos com imparcialidade e prudência, para o bem comum de todos os cidadãos. Um empregado público que aceito subornos – por muito habilmente que disfarce – em troca de favores políticos, atraiçoa os concidadãos que o elegeram ou designaram, e peca contra o sétimo mandamento.

Outros dois elementos se enquadram no sétimo mandamento. A receptação: aceitar bens que sabemos serem roubados, quer o recebamos de graça ou pagando. Nesta matéria, uma suspeita fundada equivale ao conhecimento; aos olhos de Deus, quem recebe bens roubados é tão culpado como o ladrão. Também é pecado ficar com objetos achados sem fazer esforço razoável para encontrar o proprietário. A medida desse esforço (perguntar e anunciar) dependerá, claro, do valor da coisa; o proprietário, se aparecer, tem obrigação de reembolsar quem encontrou o objeto de todos os gastos que as suas diligências lhe tenham ocasionado.

 

4. De tudo que foi dito, é possível estabelecer até quando o pecado é venial ou quando ele se torna mortal? Só se pode falar em geral e dizer que o roubo de algo de pouco valor será pecado venial, e que roubar algo valioso será pecado mortal (quer esse grande valor seja relativo ou absoluto).

Quando falamos do valor relativo de uma coisa, referimo-nos ao seu valor consideradas as circunstâncias. Para um operário que tem de manter família, a perda do valor equivalente a um dia de trabalho será normalmente uma perda considerável; roubá-lo ou enganá-lo nessa quantia poderia ser facilmente pecado mortal. A gravidade de um pecado contra a propriedade mede-se, pois, tanto pelo dano que causa ao proprietário como pelo valor real do objeto em questão.

            Mas, ao apreciarmos o valor de um objeto (ou de uma soma de dinheiro), chegaremos a um ponto em que todas as pessoas razoáveis concordarão no que é um valor considerável, independentemente de a pessoa que sofre a perda ser pobre ou rica. Este valor é o que denominamos absoluto, um valor que não depende das circunstâncias.  Podemos dizer com certeza que roubar é um real é pecado venial, e que roubar mil, ainda que o proprietário seja a General Motors, é pecado mortal, mas ninguém pode dizer exatamente onde traçar a linha divisória. A conclusão evidente é que, se formos escrupulosamente honrados no nosso relacionamento com o próximo, nunca teremos que perguntar: “Isto é pecado mortal ou venial?” Para quem peque contra a justiça, outra conclusão também evidente é que deve arrepender-se do seu pecado, confessá-lo, reparar a injustiça e não tornara cometê-lo.

E isto traz a lume a questão da restituição, quer dizer, a necessidade de ressarcir os prejuízos causados pelo que adquirimos ou danificamos injustamente. Há certos princípios fundamentais que regem as questões de restituição. O primeiro deles é que a restituição deve ser feita à pessoa que sofreu a perda ou a seus herdeiros. Se o proprietário é desconhecido ou não pode ser encontrado, a restituição deverá ser feita doando os benefícios ilícitos a uma instituição beneficente, apostólica, etc. Isto não exige que a pessoa se dê a conhecer e arruíne a sua reputação ou mesmo que para efetuar essa restituição, se prive a si mesma ou prive a família dos meios para atender às necessidades ordinárias da vida (o que não significa esbanjar dinheiro em luxos ou caprichos). A devolução deve compreender os lucros obtidos com o objeto roubado (uma vaca, faça se acompanhar dos bezerros desta). Se o objeto já não existir ou estiver estragado e não for possível repará-lo, restitui-se o seu valor em dinheiro. Estas questões de justiça e direito podem tornar-se complicadas. Por isso não se surpreenda se o sacerdote tiver que consultar algum livro ou seu colega moralista...

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