“Não roubarás” (Ex 20,15; Dt 5,19; Mt 19,18)
“Não cobiçarás... coisa alguma que pertença a teu próximo” (Ex 20,17).
“Tu não desejarás para ti a casa do teu próximo, nem o seu
campo, nem o seu escravo, nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento,
qualquer coisa que pertença ao teu próximo” (Dt 5,21)
1. É pecado que um
faminto furte um pão? E se tiver que quebrar uma vitrine para fazê-lo? É pecado
que um operário furte ferramenta da oficina em que trabalha, se todos o
fazem? Se uma mulher encontra um anel de
diamante e ninguém o reclama, pode ficar com ele? É imoral comprar pneus a um
preço de pechincha, se se suspeita que são roubados? Mesmo sendo claro o sétimo
mandamento, sempre surgem ao “mas” e já não parece tão claro
Antes
de começarmos a examinar este mandamento, podemos tratar do décimo,
resumidamente. Ele é companheiro do sétimo porque se proíbe que se faça em
pensamento o que é proibido fazê-lo em ações. Assim, não só é pecado roubar
como também é pecado querer roubar, desejar tirar e conservar o que pertence ao
próximo.
Tudo
o que digamos sobre a natureza e a gravidade das ações contra este mandamento
aplica-se também ao desejo correspondente, exceto que neste caso – o de não termos
levado à prática esse desejo – não se nos exige restituição. Este ponto deve
ser tido em conta em todos os mandamentos: que o pecado se comete no momento em
que deliberadamente se deseja ou se decide cometê-lo. Realizar a ação agrava a
culpa, mas o pecado já foi cometido no instante em que se tomou a decisão ou se
consentiu no desejo. Por exemplo, se decido roubar uma coisa assim que se
apresente a ocasião, e esta nunca aparece, impedindo-me de levar avante o meu
propósito, esse pecado de intenção de roubar pesará sobre a minha consciência.
2. O sétimo mandamento
me obriga a praticar a virtude da justiça,
que se define como a virtude moral que
obriga a dar a cada um o que é seu, o que lhe é devido. Pode-se violar esta virtude de muitas
maneiras. Em primeiro lugar, pelo pecado de roubo,
que é classicamente chamado furto
quando se tiram os bens alheios ocultamente, e rapina se se tomam com violência e manifestamente.
Roubar
é tirar ou reter voluntariamente, contra o direito e a razoável vontade do próximo,
aquilo que lhe pertence. “Contra o direito e a razoável vontade do próximo” é
uma cláusula importante. A vida é mais importante que a propriedade. Não é
razoável recusarmo-nos a dar a alguém algo de que precisa para salvar a sua
vida. Assim, o faminto que toma um pão, não rouba. O fugitivo que se apossa de
um carro ou de um barco para escapar dos perseguidores que lhe ameaçam a vida
ou a liberdade, não rouba.
Esta
cláusula distingue também roubar de tomar emprestado. Se o meu vizinho não está
em casa e pego da sua garagem umas ferramentas para reparar meu automóvel,
sabendo que ele não faria objeção, é claro que não roubo. Mas é igualmente
claro que é imoral tomar emprestada uma coisa que sei que seu proprietário se
oporia a isso. O empregado que toma emprestado o dinheiro da caixa, ainda que
pense devolver algum dia esse “empréstimo”, é réu de pecado.
Seguindo
esse princípio de que tudo o que seja privar alguém, contra a sua vontade, do
que lhe pertence, se for feito deliberadamente, é pecado, já vemos que, além de
roubar, há muitas maneiras de violar o sétimo mandamento. Não cumprir um
contrato ou um acordo de negócios, se causa prejuízos à outra parte
contratante, é pecado. Também o é assumir dívidas sabendo que não se poderão
pagar: é um pecado muito comum nestes tempos, em que tanta gente vive acima das
suas possibilidades. Igualmente, é pecado danificar ou destruir deliberadamente
a propriedade alheia.
3. Fraude: privar alguém do que pertence,
usando de engano. Incluem-se neste grupo as práticas por meio das quais se
rouba no peso, nas medidas ou no troco, ou se vendem produtos de qualidade
inferior sem reduzir o preço, ou se ocultam defeitos de uma mercadoria (os
vendedores de carros de segunda mão, bem como os vendedores, devem precaver-se
contra isto), ou se vende com margens de lucro exorbitantes, ou se passa um
cheque sem fundos ou moeda sabiamente falsa, ou se vendem produtos adulterados:
numa palavra, são pecado todos os sistemas de tornar-se rico do dia para a
noite, que tanto abundam na sociedade moderna. Outra forma de fraude é não
pagar o salário justo, recusando aos trabalhadores e empregados o salário
suficiente para viverem, aproveitando-se de que o excesso de mão-de-obra no
mercado permite ao patrão dizer: “se você não gosta de trabalhar aqui,
desapareça”. E também pecam os operários que defraudam um salário justo, se
deliberadamente desperdiçam os materiais ou o tempo da empresa, ou não rendem
um justo dia de trabalho pelo justo salário que recebem.
O
funcionalismo público é escolhido e pago para executar as leis e administrar
assuntos públicos com imparcialidade e prudência, para o bem comum de todos os
cidadãos. Um empregado público que aceito subornos – por muito habilmente que
disfarce – em troca de favores políticos, atraiçoa os concidadãos que o
elegeram ou designaram, e peca contra o sétimo mandamento.
Outros
dois elementos se enquadram no sétimo mandamento. A receptação: aceitar bens que sabemos serem roubados, quer o
recebamos de graça ou pagando. Nesta matéria, uma suspeita fundada equivale ao
conhecimento; aos olhos de Deus, quem recebe bens roubados é tão culpado como o
ladrão. Também é pecado ficar com objetos achados sem fazer esforço razoável
para encontrar o proprietário. A medida desse esforço (perguntar e anunciar) dependerá,
claro, do valor da coisa; o proprietário, se aparecer, tem obrigação de
reembolsar quem encontrou o objeto de todos os gastos que as suas diligências
lhe tenham ocasionado.
4. De tudo que foi
dito, é possível estabelecer até quando o pecado é venial ou quando ele se
torna mortal? Só se pode falar em geral e dizer que o roubo de algo de pouco
valor será pecado venial, e que roubar algo valioso será pecado mortal (quer
esse grande valor seja relativo ou absoluto).
Quando
falamos do valor relativo de uma
coisa, referimo-nos ao seu valor consideradas as circunstâncias. Para um
operário que tem de manter família, a perda do valor equivalente a um dia de
trabalho será normalmente uma perda considerável; roubá-lo ou enganá-lo nessa
quantia poderia ser facilmente pecado mortal. A gravidade de um pecado contra a
propriedade mede-se, pois, tanto pelo dano que causa ao proprietário como pelo
valor real do objeto em questão.
Mas, ao apreciarmos o valor de um
objeto (ou de uma soma de dinheiro), chegaremos a um ponto em que todas as
pessoas razoáveis concordarão no que é um valor considerável, independentemente
de a pessoa que sofre a perda ser pobre ou rica. Este valor é o que denominamos
absoluto, um valor que não depende
das circunstâncias. Podemos dizer com
certeza que roubar é um real é pecado venial, e que roubar mil, ainda que o
proprietário seja a General Motors, é pecado mortal, mas ninguém pode dizer
exatamente onde traçar a linha divisória. A conclusão evidente é que, se formos
escrupulosamente honrados no nosso relacionamento com o próximo, nunca teremos
que perguntar: “Isto é pecado mortal ou venial?” Para quem peque contra a
justiça, outra conclusão também evidente é que deve arrepender-se do seu
pecado, confessá-lo, reparar a injustiça e não tornara cometê-lo.
E isto traz a lume a
questão da restituição, quer dizer, a
necessidade de ressarcir os prejuízos causados pelo que adquirimos ou
danificamos injustamente. Há certos princípios fundamentais que regem as questões
de restituição. O primeiro deles é que a restituição deve ser feita à pessoa
que sofreu a perda ou a seus herdeiros. Se o proprietário é desconhecido ou não
pode ser encontrado, a restituição deverá ser feita doando os benefícios
ilícitos a uma instituição beneficente, apostólica, etc. Isto não exige que a
pessoa se dê a conhecer e arruíne a sua reputação ou mesmo que para efetuar
essa restituição, se prive a si mesma ou prive a família dos meios para atender
às necessidades ordinárias da vida (o que não significa esbanjar dinheiro em
luxos ou caprichos). A devolução deve compreender os lucros obtidos com o
objeto roubado (uma vaca, faça se acompanhar dos bezerros desta). Se o objeto
já não existir ou estiver estragado e não for possível repará-lo, restitui-se o
seu valor em dinheiro. Estas questões de justiça e direito podem tornar-se
complicadas. Por isso não se surpreenda se o sacerdote tiver que consultar
algum livro ou seu colega moralista...
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