Sobre o Rosário da Virgem Maria*


* Uma síntese da Carta de João Paulo II

 

O rosário de ave-marias deriva do rosário de pai-nossos. Este último foi introduzido, provavelmente, por S. Bento; monges pouco letrados, que não conseguiam recitar os 150 salmos em latim, rezavam em substituição 150 pai-nossos. Para se facilitar a contagem, se usavam grãos enfiados em um cordão. A implantação definitiva se deu com o Papa Pio V. Os papas posteriores como Leão XIII, Pio X e Pio XI estimularam enormemente a devoção, confirmada mais e mais pelas aparições da Virgem em Lourdes e Fátima, trazendo em suas mãos um rosário pendente[1].

 

Carta Apostólica “Rosarium Virginis Marie

 

Ao episcopado, ao clero e aos fiéis, sobre o Rosário

 

Introdução:

1. O rosário, por inspiração do Espírito Santo, se foi formando gradualmente no II milênio. Oração amada por vários santos e estimulada pelo magistério. De origem ocidental e meditativa. Ainda que caracterizado por uma fisionomia Mariana, em seu âmago é uma oração cristológica: concentra a profundidade de toda a mensagem evangélica.

2. Esta carta celebra os 120 anos do primeiro documento do magistério a tratar da importância do Rosário: Leão XIII (Supremi apostolatus Officio – 1883): indica-o como instrumento espiritual eficaz contra os males da sociedade. Outro pontífice, Paulo VI (Marialis cultus), destaca o caráter evangélico do rosário e sua orientação cristológica.

Testemunho pessoal: “O rosário acompanhou-me nos momentos de alegria e nas provações. A ele confiei tantas preocupações; nele encontrei sempre conforto”.

3. Proclamação do Ano do Rosário: outubro de 2002 a outubro de 2003. Na linha da reflexão oferecida na NMI, a partir de Cristo, oferece uma “reflexão sobre o rosário, uma coroação Mariana a referida carta apostólica, para exortar à contemplação do rosto de Cristo na companhia e na escola de sua Mãe Santíssima”. A carta é uma indicação pastoral à iniciativa das diversas comunidades eclesiais: “O rosário, quando descoberto em seu pleno significado, conduz ao âmago da vida cristã, oferecendo uma ordinária e fecunda oportunidade espiritual e pedagógica para a contemplação pessoal, a formação do povo de Deus e a nova evangelização”.

4. É notória certa crise desta oração, com risco de debilitar seu valor e de não propor às novas gerações. Ela não se opõe à liturgia, mas serve-lhe de apoio. Devidamente compreendido, não é um obstáculo ao ecumenismo.

5. É um caminho de contemplação do mistério cristão, nesta nova exigência de espiritualidade: é a melhor e mais garantida tradição da contemplação.

6. Um excelente instrumento de oração pela paz e pela família, duas realidades constantemente ameaçadas. “O relançamento do Rosário nas famílias cristãs, no âmbito de uma pastoral mais ampla da família, propõe-se como ajuda eficaz para conter os efeitos devastadores desta crise de nossa época”.

7. “Eis a tua Mãe” – Lurdes e Fátima são manifestações de um cuidado maternal confiado pelo Redentor.

8. Vários santos se destacaram pelo estímulo à devoção do rosário: São Luis Maria Grignion de Monfort, padre Pio, beato Bartolo Longo...

 

Capítulo I: Contemplar Cristo com Maria.

9. A cena da Transfiguração de Jesus, tomada como ícone da contemplação cristã, convida-nos a “fixar os olhos no rosto de Cristo, reconhecer o mistério no caminho ordinário e doloroso de sua humanidade, até perceber o brilho divino definitivamente manifestado no ressuscitado glorificado à direita do Pai, é tarefa de cada discípulo de Cristo; e por conseguinte também nossa tarefa”.

10. A contemplação de Cristo tem em Maria seu modelo insuperável. Os seus olhos já o contemplam desde a Anunciação, concebendo-o no coração e na carne, seu olhar, cheio sempre de reverente estupor, não se separará mais dele. Um olhar às vezes interrogativo (Lc 2,48), penetrante (Jo 2,5), doloroso (Jo 19,26-27), ardoroso (At 1,14).

11. “As recordações de Jesus, estampadas em sua alma, acompanharam-na em cada circunstância, levando-a a percorrer novamente com os pensamentos os vários momentos de sua vida junto com o Filho. Foram estas recordações que constituíram, de certo modo, o ‘rosário’ que ela mesma recitou constantemente nos dias de sua vida terrena”. Quando recita o rosário, a comunidade cristã sintoniza-se com a lembrança e com o olhar de Maria.

12. O rosário, precisamente a partir de Maria, é uma oração marcadamente contemplativa. Privado desta dimensão, perde seu sentido, tornando-se uma repetição mecânica de fórmulas.

13. O contemplar de Maria é sobretudo um recordar, no sentido bíblico de atualização: o hoje da salvação

14. Em sua “peregrinação da fé”, aprendeu quem é Cristo, tornando-se mestra nesse seguimento e na obediência da fé: “Eis a serva do Senhor, faça-se me mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38).

15. A espiritualidade cristã tem como caráter qualificador o configurar-se a Cristo. O rosário nos introduz de modo natural na vida de Cristo e como que nos faz “respirar” seus sentimentos. Nesse processo de configuração, confiamo-nos à ação maternal da Virgem Santa. Maria só vive em Cristo e em função de Cristo!

16. Na recomendada oração de súplica ao Pai (Mt 7,7), Maria intervem com sua materna intercessão. O Rosário é ao mesmo tempo meditação e súplica: “ao ser suplicada por nós, apresenta-se em nosso favor diante do Pai que a cumulou de graça e do Filho nascido de suas entranhas, pedindo conosco e por nós”.

17. O rosário é também um itinerário de anúncio e aprofundamento no mistério de Cristo. Este conserva toda a sua força e permanece um recurso não negligenciável na bagagem pastoral de todo bom evangelizador.

 

Capítulo II: Mistério de Cristo – Mistério da Mãe

18. O rosário é um compêndio do Evangelho e nos permite contemplar o rosto de Cristo.

19. O rosário aponta só alguns mistérios de Cristo, consolidados pela Tradição. Para intensificar a densidade cristológica do mesmo, seria oportuno abraçar também os mistérios da vida pública de Cristo entre o batismo e a paixão, “deixada à livre valorização de cada pessoa e das comunidades”. É nos anos da vida pública que o mistério de Cristo se mostra de forma especial como mistério de luz (Jo 9,5). A inserção desses mistérios plenifica a consideração do rosário como “compêndio do Evangelho”. “Esta inserção de novos mistérios, sem prejudicar nenhum aspecto essencial do esquema tradicional desta oração, visa fazer viver com renovado interesse na espiritualidade cristã, como verdadeira introdução na profundidade do coração de Cristo, abismo de alegria e de luz, de dor e de glória”.

20. Mistérios da alegria (gozosos): a alegria que irradia do acontecimento da encarnação.

21. Mistérios da Luz – vida pública de Jesus – 1o O Batismo no Jordão; 2o a auto revelação nas bodas de Cana; 3o o anúncio do Reino de Deus com o convite à conversão; 4o a transfiguração; 5o a instituição da Eucaristia. Todo o mistério de Cristo é luz (Jo 8,12), que emerge particularmente em sua vida pública.

22. Mistérios da dor: levam o crente a reviver a morte de Jesus pondo-se aos pés da cruz junto de Maria.

23. Mistérios da glória: a contemplação não pode deter-se na imagem do crucificado. Ele é o ressuscitado.

24. Esse ciclo meditativo conduz ao essencial, no conhecimento de Cristo. O nosso “avançar” consiste também em sempre mais aprofundar o mistério de Cristo. O rosário coloca-se a serviço desse ideal, é o caminho de Maria, de silêncio e escuta. Os mistérios de Cristo são também, de certo modo, de sua Mãe, mesmo quando não diretamente envolvida, pelo fato de viver dele e para ele.

25. Implicação antropológica do rosário: “Quem contempla a Cristo, percorrendo as etapas de sua vida, não pode deixar de aprender dele a verdade sobre o homem”. “Verdadeiramente o rosário ‘marca o ritmo da vida humana’ para harmoniza-la com o ritmo da vida divina, na gozosa comunhão da Santíssima Trindade, destino e aspiração da nossa existência”.

 

Capítulo III: “Para mim, viver é Cristo”.

26-28. O método baseado na repetição e na meditação dos mistérios de Cristo, favorece a assimilação dos mesmos. Um amor que não se cansa de voltar à pessoa amada com efusões que, apesar de semelhantes na sua manifestação, são sempre novas pelo sentimento que permeia. Um método válido e que, todavia, pode ser melhorado. É necessário compreende-lo para que não se torne um amuleto ou objeto mágico.

29-38. As partes e dinâmica do rosário: A enunciação do mistério (orientar a imaginação e o espírito para aquele episódio da vida de Jesus); esta enunciação poderia ser acompanhada da proclamação da passagem bíblica alusiva: “deixar Deus falar”. É conveniente que se guarde um breve momento de silêncio após a enunciação, para depois se elevar o espírito ao Pai (Pai-nosso). Em cada mistério Jesus nos leva ao Pai. As ave-maria, mesmo se em maior quantidade, não se opõe ao cristológico. O centro de gravidade da ave-maria, uma espécie de dobradiça entre a primeira e a segunda parte, é o nome de Jesus. O “glória ao Pai”: a doxologia trinitária é meta da contemplação cristã. A jaculatória final varia segundo o costume. O terço, em seu caráter simbólico, converge para o crucificado e recorda-nos o vínculo de comunhão e fraternidade que a todos nos une a Cristo. São vários os modos de introdução e conclusão do rosário. Rezado todo em um dia ou distribuído num ciclo semanal, o rosário seja visto e sentido como itinerário contemplativo.

Conclusão: (39-43). Reconhecendo com a Igreja a eficácia do Rosário, o Papa confia a esta oração a causa da paz do mundo e a causa da família. Uma oração tão fácil, e ao mesmo tempo tão rica, merece verdadeiramente ser redescoberta pela comunidade cristã.

                                                                              João Paulo II, outubro de 2002 – 25o ano de Pontificado 



[1] Em outubro de 2002 o Papa João Paulo II sugere a inserção dos mistérios luminosos (vida pública de Jesus), para dar uma expressão ainda maior do rosário como “compêndio do evangelho”, de uma oração também cristológica.


Clique aqui e confira na íntegra a Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae, de João Paulo II.

Nenhum comentário:

Postar um comentário