Introdução – Todo o Pentateuco (os cinco primeiros livros da Bíblia) tem
como autor Moisés. Ele seria o inspirador de toda a legislação hebraica antiga,
criou a tradição jurídica e historiográfica de Israel; deu-lhe fundamento e
suas grandes linhas. Os semitas possuem
um conceito especial de totalidade: no núcleo inicial já está incluído toda a
evolução posterior, daí atribuir o conjunto inteiro ao autor do núcleo.
Certamente são muitas as mãos que formam o Pentateuco, mas isso não exclui a
sua inspiração: seus redatores, iluminados pelo Senhor, foram distinguindo, em
suas fontes e conhecimentos, o que correspondia e o que não correspondia à
mensagem que o Senhor por ele (ou por eles) queria comunicar aos homens. Assim
iluminados ou inspirados, só incluíram no texto canônico do Pentateuco os
elementos portadores de uma autêntica lição religiosa. É nesse mundo que
situa-se o livro do Levítico.
1. Levítico – livro dos levitas ou sacerdotal; este trata das leis do
culto (1,1—10,20) e da santidade do povo (11,1—27,34). Seu caráter é quase
exclusivamente legislativo, e assim interrompe a narração dos acontecimentos.
Estrutura do conteúdo:
1—7: Um ritual dos
sacrifícios.
8—10: cerimonial de
investidura dos sacerdotes (Aarão e filhos).
11—15: normas
referentes ao puro e impuro.
16: ritual do grande
dia das Expiações.
17—26: a lei da
santidade. Um calendário litúrgico (23). Bênção e maldições (26).
27: (apêndice)
condições de resgate de pessoas, animais e bens consagrados a Javé.
- Leitura cristã: O
Levítico pode ser lido com mais proveito em conexão com os últimos capítulos de
Ezequiel ou depois dos livros de Esdras e Neemias.
2. Olhar panorâmico: Em Ex 40,16-33 temos a construção da Tenda do Encontro;
Deus passa a habitar no meio do seu povo a partir desse local/símbolo. Deus
legitima essa nova relação com o seu povo (Lv 1,1). Nos 27 capítulos que
compõem o nosso livro, Deus transmite a seu povo “suas leis e costumes”, é
praticando-as que o homem tem vida.
- A preocupação é o
bom uso dessa ‘tenda’, para que seja verdadeiramente um lugar de ‘encontro’. A
descrição minuciosa é para que nenhum erro ritual (1—10), nenhuma impureza
física (11—16) ou uma infidelidade moral (17—26) causem obstáculo a essa
comunhão vital.
- Nem todo o conteúdo
do culto de Israel está expresso nesse livro. Talvez no saltério encontremos os
cantos e orações que acompanhavam tais ritos. É bem verdade que os profetas e
sábios lembravam a Israel que a execução do rito não bastava para proporcionar
a salvação, mas o autor quer fazer penetrar na consciência dos fiéis que a
comunhão com Deus é a verdade última do homem.
- O livro, mesmo
trazendo uma redação coerente, traz elementos rituais que remontam diversas
épocas, particularmente o momento em que o poder político do sacerdócio vai
aumentando, já que não existe mais rei e o profetismo está em vias de
desaparecimento.
- 1ª Seção (1—7): as
diversas categorias de sacrifícios que o Israelita pode (ou deve) oferecer a
Deus, em certas circunstâncias. Não se fala sobre a origem ou significação dos
sacrifícios e rituais. Se deduz que seus ritos tiveram inspiração nas religiões
do antigo Oriente e que deu a estes ritos um conteúdo novo, correspondente à
sua visão do mundo e ao seu conhecimento de Deus.
- 2ª Seção (8—10): As
cerimônias que acontecem quando Aarão e seus filhos foram investidos de poder
sacerdotal. Em ligação com o livro do Êxodo, os sacerdotes aparecem aqui
claramente na sua função mediadora o que implica uma exigência particular de
santidade (intermediário entre Deus e o povo).
- 3ª Seção (11—16):
Elenca diversas categorias de impurezas que impedem o homem de entrar em
contato com Deus.
- 4ª Seção (17—26):
Visão global: código ou lei da santidade. Se Deus é santo, este povo que
escolheu, que lhe é consagrado, deve procurar tudo o que facilita a comunhão com
Deus e evitar tudo o que, física ou moralmente, põe obstáculo a essa comunhão
vital:
* não consumir o
sangue, que é a sede da vida dada por Deus;
*recusar quaisquer
relações sexuais anormais;
* respeitar a Deus
enquanto único Deus, e o homem enquanto criatura de Deus;
* garantir a dignidade
do sacerdócio e dos sacrifícios e celebrar fielmente as festas e os anos
santos.
Conclusão: entre os livros do AT, é o menos lido pelos cristãos. Não é
de acesso fácil, e parece só falar de práticas que caducaram em virtude da nova
aliança. Mas isso não quer dizer que não tenham nenhum valor para nós hoje.
Toda essa prática ritual, herdada e renovada, procurou celebrar em concordância
coma fé que professava. Seu objetivo era exprimir e realizar a reconciliação e
a comunhão do povo santo com o Deus santo. Por isso que os profetas zelavam
pela pureza da fé de Israel.
- Festas e ritos
variam de acordo com os tempos e os lugares, mas nelas permanece o desejo de
exprimir a fé pela festa comunitária e pela linguagem do corpo. Mesmo as
críticas dos profetas e o abandono das práticas do antigo judaísmo, não se pode
eliminar o valor deste livro. A presença dele é responder à necessidade humana
de exprimir a fé por gestos religiosos, e ao mesmo tempo em que anuncia e
prepara a vinda daquele que traz nas suas palavras e realiza em sua vida a
reconciliação e a comunhão do homem com Deus.
- Um texto para a nossa
reflexão: Lv 19,1-2.17-18 (7º Domingo do Tempo Comum – Ano A).
V. 2: “Sede santos...” Convite de Deus
dirigido a seu povo. O que é ser santo? Aquele que viveu de maneira exemplar,
que foi para o céu, que é invocado com fé, pode até fazer milagres... dizemos
nós. Na Bíblia, santo tem um sentido mais amplo: separado, consagrado a Deus.
Santos eram os
templos: estavam ‘separados’ do mundo profano e reservados à divindade. Quem
ultrapassa a soleira de um templo sai do mundo dos homens e entra no mundo de Deus,
por isso devia se submeter a inúmeros e complicados rituais de purificação.
Santos eram os
objetos: não podiam ser misturados com as coisas do uso cotidiano.
Santos eram as
pessoas: que conduziam uma vida diferente das demais.
O mais santo de todos
é Deus: Ele é completamente diferente de tudo que existe.
O que exige Deus do
seu povo, quando lhe pede para ser santo? Israel entendeu que era viver isolado
dos outros povos, por isso evitavam qualquer contato com aqueles que poderiam
conduzir a idolatria. Para conservar essa ‘santidade’ desmedidamente as
proibições: entrar na casa de estranhos, tomar refeições com eles e até mesmo
apertar-lhe as mãos. Mas o livro do Levítico mostra um modo diferente de
entender a santidade. Nada de separação física de outros homens, nada de
observância de códigos e de prescrições. Para ser santo é suficiente levar uma
vida diferente, uma vida que se concretize nas seguintes prescrições: “não
odiar o irmão, renunciar ao rancor e à vingança, amar o próximo com a si
mesmo”.
Esse é o ponto máximo
que chegou a moral do AT. Todavia esse amor que se exige não é universal, é
restrito aos membros do povo de Israel. Jesus levará esse amor até as últimas
consequências. Ele mostrará que o ‘irmão’ que deve ser amado, não é tão somente
aquele que pertence a própria etnia, mas são todos os homens, também o
estranho, o pagão, o inimigo.
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