O mistério do Senhor, que tem
na Páscoa a raiz e o cume de sua celebração com sua prolongação até Pentecostes
e com sua preparação na Quaresma, preenche todos os dias do ano litúrgico,
especialmente o domingo, a páscoa semanal. A celebração do mistério da
manifestação do Senhor no Natal, com sua preparação no Advento e com sua
prolongação até a Epifania e o Batismo do Senhor, dá a este tempo um sabor especial
com a celebração da espera messiânica e a renovada experiência da presença do
Verbo Encarnado no mundo.
Todo este tempo do ano,
contudo, preenche mais ou menos um terço dos dias do ano civil. Que sentido
espiritual podem ter os outros dias que preenchem esse espaço do ano litúrgico
que a Igreja denomina tempo ordinário ou tempo “per annum”, “durante o ano”?
Uma excessiva presença de
celebração dos santos, que preenchiam praticamente todos os espaços do
calendário, provocou o risco de fazer-nos esquecer este “tempo ordinário”, que
hoje, na nova estrutura do calendário litúrgico e com a orientação da Igreja
nos lecionários da missa e na distribuição da LH (Liturgia das Horas), tem, por
assim dizer, personalidade própria, sentido pleno de um tempo em que Cristo se
faz presente e guia a sua Igreja pelos caminhos do mundo.
A teologia do tempo ordinário
está marcada fundamentalmente pelo valor do tempo cristão, que em qualquer
tempo tem sua referência total no mistério de Cristo e a história da salvação.
Sem entrar aqui num tema que é
próprio de um tratado especial da LH, temos que salientar que para os cristãos
cada dia – desde a manhã até a noite – tem um sentido cristológico; e por isso,
em cada uma das horas de oração há, junto com a dimensão cósmica, uma memória
salvífica referente ao que aconteceu nesses momentos: a manhã trás a memória da
ressurreição; a hora terça recorda a vinda do Espírito Santo; a hora sexta pode
recordar a Ascensão; a nona, a crucifixão e morte do Senhor; as vésperas, o
sacrifício vespertino da cruz e da ceia; ou também, a tarde do dia da Páscoa
com a oração confiante dos discípulos de Emaús: “Fica conosco Senhor, porque é
tarde e o dia declina” (Lc 24,29); a noite nos faz entrar na espera
escatológica do Senhor, enquanto entregamos ao sono os nossos corpos fatigados,
depois de haver contemplado mais um dia da salvação. Estas motivações que
oferecem ao dia cristão um sentido pascal pleno, acabam fixadas por diversos
argumentos, simbolismos e evocações já na primeira metade do séc. III para toda
a Igreja. Por isso, dentro da sobriedade do cotidiano, cada dia é para o
discípulo do Senhor uma Páscoa cotidiana.
Com efeito, cada dia, como a
Igreja nos propõe em sua oração cotidiana, em templo repleto da memória de
Cristo, feito sacrifício espiritual da Igreja e dos cristãos.
- Os domingos do Tempo Comum
“Além dos tempos que têm características
próprias, restam no ciclo anual trinta e três ou trinta e quatro semanas nas
quais não se celebra nenhum aspecto especial do mistério de Cristo; comemora-se
nelas o próprio mistério de Cristo em plenitude, principalmente aos domingos.
Este período é chamado tempo comum. O tempo comum começa na segunda-feira depois
do domingo após o Batismo do Senhor, e prolonga-se até a terça-feira antes da
Quaresma: recomeça na segunda-feira depois do domingo de Pentecostes” (Normas
Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário – n. 34).
Essa quantidade maior ou menor de domingos
dentro do Tempo Comum (33 ou 34) se dá porque a Páscoa não tem data fixa. A
páscoa é marcada sempre para a primeira lua cheia da primavera no hemisfério
norte.
Entre os formulários da missa é necessário
distinguir as leituras, as orações e os cantos que não podem ser agrupados sob
um único tema em cada um dos domingos do Tempo Comum.
As leituras do AT, do Apóstolo e do Evangelho são
feitas, em forma de rodízio, ao longo de três anos. É importante notar que o
evangelho é lido de forma continuada: ano A: Mateus; ano B: Marcos; ano C:
Lucas. As cartas de São Paulo são lidas também de forma continuada ao longo de
três anos. No que se refere ao AT, ao contrário, normalmente o texto é escolhido
em função do Evangelho do dia e funciona como preparação de seu anúncio. O
Salmo responsorial é escolhido em função da leitura do AT. Esta última se torna
oração através da recitação do Salmo. De domingo em domingo é oferecido um
resumo da pregação apostólica aos cristãos reunidos para celebrar a eucaristia.
As orações de abertura, sobre as oferendas e após a
comunhão têm sua origem, na grande maioria, no Missal Tridentino. O caráter
pascal do domingo é colocado em realce através dos seis prefácios comuns.
Lembremos, por fim, que o domingo não é
simplesmente uma festa, mas o “dia primordial”. Por esta razão “as outras
celebrações, a não ser que sejam verdadeiramente da mais alta importância, não
prevalecem sobre o domingo, porque o domingo é fundamento e cerne de todo o Ano
Litúrgico” Um domingo do Tempo Comum não cede seu lugar a uma solenidade de um
santo, a não ser em circunstâncias excepcionais.
- A semana
A organização da semana na liturgia passou uma
progressão. Logo cedo se privilegia três dias: quarta, sexta e sábado. A
princípio são dias de jejum e de oração. Ainda não existia uma liturgia
organizada em torno desses dias (final do séc. I). As missas, nesses dias
passarão a acontecer no séc. VI. A partir do séc. X, difundiu-se no Ocidente o
costume de se venerar de modo especial a Virgem Maria no sábado.
As semanas se desenrolam em função do domingo que
as inaugura. Pertencem ao tempo litúrgico preciso ou às 34 semanas do Tempo
Comum.
O lecionário da Missa propõe textos próprios para
cada dia do ano. A primeira leitura, tirada do AT ou dos escritos apostólicos,
é apresentada num ciclo de dois anos. O mesmo acontece com o salmo
responsorial. Os evangelhos são lidos ao longo do ano. A leitura de João é
reservada para o final da quaresma e o tempo pascal. Lê-se Marcos da 1a
à 9a semana do Tempo Comum. Mateus é lido da 10a à 21a
semana e Lucas da 22a à 34a.
No que se referem às orações, as férias do final do
Advento, da quaresma e da última semana do tempo pascal são providas de
formulários completos. As férias do tempo do natal e do tempo pascal têm um
conjunto próprio. As férias do Tempo Comum têm como formulários às orações do
domingo.
Com exceção do tempo da Quaresma, as férias frequentemente
cedem às festas ou memórias dos santos. Podem ser celebradas missas em
diferentes intenções dentro do permitido pelas prescrições.
- ESPIRITUALIDADE: O
mistério Cristo na vida cotidiana
A teologia, a liturgia e as
orientações pastorais confluem numa espiritualidade litúrgica do tempo comum. A
chave de compreensão desta espiritualidade é encontrada sempre no mistério de
Cristo. Com a leitura semi-contínua dos evangelhos se põe no centro da espiritualidade
cristã na mesma vida de Jesus e seu mistério na normalidade de sua vida, feita
de oração, de pregação da palavra e de gestos de amor para com os homens.
Assumir este mistério é oferecer à vida de cada cristão a oportunidade desse
discipulado ferial, do esforço de cada dia, com quem não põe entre parênteses
nenhum momento de sua vida, mas que sublinha cada acontecimento do cotidiano
como uma presença de salvação. Os atos e as palavras do Senhor que pertencem a
seu mistério, como os outros grandes acontecimentos salvadores, são
rememorados, se reavivam na proclamação da palavra e na celebração da
Eucaristia. A mesma leitura semi-contínua dos livros do AT e do NT oferece á
Igreja a possibilidade de medir seu próprio caminho de perseverança com as grandes
esperas do povo de Israel, e com a espera do retorno do Senhor que marca tantas
páginas dos escritos apostólicos. Estes livros, como os evangelhos, sublinham a
presença da salvação na história larga e concreta, misteriosa e cheia de
desconcertante normalidade. Nesta história se faz presente Cristo para assumir
e santificar a história dos homens até que se cumpra o dia do seu regresso
final.
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