“Colocarei
em vocês o meu Espírito e vocês reviverão” (Ez 37,14)
1. Nome,
origem e ministério.
Não sabemos quando nasceu.
Provavelmente na infância conheceu algo da reforma de Josias, sua morte
trágica, soube da queda de Nínive e da ascensão do novo Império Babilônico. Ezequiel,
cujo nome significa ‘Deus fortaleça’ ou ‘Deus é forte’ era sacerdote do templo
de Jerusalém e profeta da corte, em oposição aos profetas do campo, como
Miquéias e Jeremias. Sendo de família sacerdotal, foi formado na escola teológica
da monarquia davídica. Contemporâneo da queda de Jerusalém (587), Ezequiel
parece ter começado a sua pregação na capital palestina, antes de dar-lhe
sequência e termo entre os deportados de Babilônia. Assim se explicaria a
minuciosa descrição de todos os gestos idolátricos realizados no Templo (Ez 8).
É mais viável pensar que toda a atividade do profeta se tenha desenvolvido em
terra de exílio, para onde ele teria sido levado antes da destruição de
Jerusalém, depois da primeira invasão de Nabucodonosor (588).
É na Babilônia que se desenvolve
a atividade daquele que era e continua a ser um sacerdote, especialista em
todas as coisas do culto (40—48) e cuja vida se encontra repentinamente
transtornada. Dois eventos decisivos se produzem: a irrupção da glória de Deus,
que faz desse sacerdote um profeta, e a queda de Jerusalém, que o muda de
pregador da condenação para pregador da salvação.
2. Estrutura
do Livro e sua mensagem.
Depois da vocação do profeta
(1,1—3,21, vem os oráculos que anunciam o julgamento de Jerusalém (3,22—24,27),
o castigo das nações (25—32) e a restauração do povo aniquilado (33—39);
finalmente se esboça o perfil da montanha sobre a qual aparece a capital do
povo renovado (40—48).
- Experiência
de Deus e percepção da realidade.
Em meio a uma grande nuvem, um
fogo em forma de redemoinho; quatro seres vivos voam, sustentando um
‘firmamento’, sobre o qual está um trono. Acima, há ‘como que o aspecto de um
homem, com um esplendor ao redor de si... É o aspecto da glória do Senhor’ (1,4-28).
O profeta está em vias de reviver a experiência de Isaías. Ele recebe a
revelação esmagadora da transcendência do Senhor, da Glória d’Aquele que é o
Rei de toda a terra (Is 6,3). Esmagado por essa revelação, Ezequiel percebe sua
pequenez; em face da Glória, ele não passa de um ínfimo e derrisório ‘filho do
homem’, hesitante, aturdido (1,28; 2,2; 3,4-17.22; 37,1; 40,1); sobre ele, a
‘mão do Senhor’ caiu (8,1) pesadamente (3,14); sobre ele vem o espírito do
Senhor (2,2; 3,24), cai (11,5), para arrebatá-lo (3,12.14; 8,3; 11,1.24; 43,4).
Mas a Glória sai do Templo e se
afasta de Jerusalém (11,22-23). Por quê? Como? Ezequiel descobre no pecado de
Israel o motivo de tão dolorosa separação e se empenha em dimensionar-lhe a
gravidade, a extensão, a profundidade. O profeta descobre a raiz da
infidelidade à qual Jerusalém se entrega orgulhosamente. Não tem Jerusalém uma
origem pagã, ela que descende de pai hemorita e de mãe hitita (16,3); e a
prolongada permanência de Jacó-Israel no Egito, onde Deus ‘jurou com mão
estendida, e disse: “Eu sou o Senhor vosso Deus’” (20,5), devia ter as mais
funestas consequências: daria a Israel essa paixão pelos ídolos, à qual depois
ninguém saberia renunciar (Ez 20).
- A queda de
Jerusalém.
Foi este o segundo acontecimento
capital na vida de Ezequiel. Instigado a não deixar transparecer seu pesar
(24,15-27), deve ter sentido uma dor pelo menos igual à de seus companheiros de
deportação. Ezequiel reage; põe-se a anunciar o castigo para as nações cujos
sarcasmos intensificam a dor dos vencidos. Israel não será o único a sofrer o
julgamento: eis que o profeta, arauto trágico, reduzido até aqui ao anúncio de
uma desgraça inelutável, transforma-se em pregador de salvação. Já os seus
oráculos anteriores não haviam excluído todo motivo de reconforto.
Haverá um Resto (cf. 6,8-10;
9,4-8; 11,13; 12,16; 14,22.23), mas tão irrisório, tão frágil (11,13), reduzido
talvez aos cadáveres amontoados em Jerusalém (11,7), que sua evocação não pode
impedir os exilados de perder sua débil esperança. Então o profeta, sentinela
atenta, se posta na brecha. Os mortos viverão, proclama ele; o Senhor saberá
fazê-lo reviver ao sopro impetuosos de seu Espírito.
Resgatados dos lugares de sua
dispersão, os exilados serão reunidos e reintroduzidos na terra da Promessa,
para ali viver uma vida ideal. Então o reino, outrora dividido em dois, será
reunificado (37,15-28); o povo não será mais entregue às malversações de chefe
indignos (34,1-10); ele será guiado pelo cajado do Senhor que se tornou o
pastor de seu povo (34,11-16). Quanto ao descendente de David, ele terá papel
próprio a desempenhar: será príncipe ‘no meio deles’ (34,24).
3. Mês da
Bíblia e conclusão.
O versículo proposto para esse
ano vem do contexto do capítulo 37 do livro. Um texto fascinante. Por meio de
visões, Deus comunica ao profeta suas palavras e ações, e a imagem que se
desvela aos olhos de Ezequiel é inquietante. À primeira vista, a visão pode ser
assustadora. O texto bíblico nos leva até um vale. Contudo, a paisagem não é
agradável aos olhos; não há sinal do verde das plantas, do canto dos pássaros
nem do colorido das flores. O ambiente parece reduzido à ausência de vida.
Impera o silêncio e a morte. O que, porém, se vê no vale? ‘A mão do Senhor
pousou sobre mim e espírito do Senhor me levou e me deixou num vale de ossos’
(v. 1). O profeta é convidado a andar por entre os ossos a fim de confirmar que
não há o menor indício de vida. Eram muitos os ossos e estavam extremamente
secos. O que representavam? A visão é explicada exclusivamente aos exilados da
Babilônia. O povo de Israel é comparado a cadáveres em sepulcros, situação que
não permitiria vislumbrar nenhuma possibilidade de esperança (v. 11b). Todavia,
há diferentes modos de ver a vida: na perspectiva dos olhos e do projeto de
Deus ou na perspectiva dos olhares demasiadamente humanos que se afastam de
Deus. Contra a desconfiança dos deportados, que pensam já estarem destinados ao
túmulo, Deus lhes assegura que fará o milagre da restauração: pelo poder do seu
espírito, a vida será maior do que a morte e, vivos, retornarão à terra natal.
Então, todos reconhecerão que é tudo obra de Deus e de ninguém mais (v. 13-14).
Diante de um ambiente de
extermínio, morte e desfalecimento, é proposto um projeto de descontinuidade.
Ou seja, a nova criação não será simplesmente um melhoramento progressivo do
que já existe; ao contrário, a velha criação, bem como o coração de pedra (36,26),
dará lugar a realidades completamente novas: uma nova criação e um coração de
carne. Não se trata, portanto de um projeto de continuidade, mas sim de
ruptura!
A imaginação profética de
Ezequiel cria uma imagem impensável: os ossos escutam as mesmas palavras
proféticas que os vivos não escutavam e obedecem a elas. Mencionado oito vezes,
eles simbolizam os mortos, o passado marcado pela tragédia, e se referem àquilo
que nega a vida, aquilo que se corrompe dia após dia para terminar em pó; os
ossos não são nada, pois com base neles não é possível construir comunidade. De
sua parte, o Espírito de Deus – que também aparece outras vezes – é a força
vital que aponta para o futuro, potencializa a recriação da realidade e da vida
e, com isso, põe ordem no caos. Contudo, a maestria do relato faz que as duas
realidades não se oponham, mas se cruzem quando, sob o comando do profeta, os
ossos que estão mortos ganham vida a partir do momento em que o espírito neles
se encarna.
Ezequiel, num movimento de
vaivém, é um mestre no uso de imagens: o mesmo espírito que o havia colocado em
pé, no relato de sua vocação, agora é responsável por colocar em pé uma
multidão que estava reduzida a ossos. Espírito que se encontra tanto em relação
com o indivíduo quanto em relação com a comunidade. Espírito que revitaliza
tanto um quanto o outro. Nessa dinâmica é possível encontrar a esperança em
meio aos dramas da vida, ou seja, em meio aos vales de ossos ressequidos do
cotidiano.